Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Ciências Penais e Segurança Pública realizado pela aluna Renata Targino Almeida da Mota no ano de 2022.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com Anderson Barbosa, em matéria publicada, em 2018, no site do G1 RN, para o “Fórum de Segurança Pública, guerra entre facções é a principal causa dos altos índices de violência no estado. Hoje, o RN aparece como o estado com a maior taxa de homicídios do país”. Fica evidente no mapa abaixo, que o mencionado estado é dominado pelo crime organizado, o qual não mede esforços para alcançar poder e território, mesmo que em detrimento dos direitos dos cidadãos ou de suas vidas.
Eis na última hipótese, um grande problema e desafio para as ciências penais e segurança pública, já que “é no período da infância que o crime se aproveita da ingenuidade ou necessidade de crianças e adolescentes para assim poder recrutar os mesmos para ações criminosas” (JÚNIOR, 2019, pág. 31).
O Rio Grande do Norte registrou alta de 13,1% no número de mortes
violentas intencionais entre 2019 e 2020, segundo dados do Fórum
Nacional de Segurança Pública. A entidade publicou nesta quinta-feira (15)
a nova edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, com dados
compilados das 27 unidades da federação e do Distrito Federal. Além disso,
o Rio Grande do Norte tem duas cidades entre as 15 mais violentas do país:
São Gonçalo do Amarante, em nono lugar, e Mossoró, em 14º (TRIBUNA
DO NORTE, 2021).
Destarte, faz-se necessário o estudo acerca do tema, pois há uma relevância social em prevenir que novas pessoas, sobretudo crianças e adolescentes, sejam cooptadas pelo mundo do crime, necessita-se, ainda, que a taxa de homicídios no estado do Rio Grande do Norte/RN reduza ao máximo, ou seja, a segurança pública precisa de subsídios para que consiga minimizar os danos causados pelas ORCRIMS. Quanto à relevância jurídica do estudo sub examine, como disse Barbosa (2019) acima, ―para saber combatê-las, existe a necessidade de conhecê las‖. Além da necessidade em perceber se realmente a norma está sendo aplicada como previu o legislador constituinte, assim como analisar se o Estado do Rio Grande do Norte/RN cumpre com as suas atribuições constitucionais de garantir a todos um Estado Democrático de Direito.
Parafraseando Rogério Greco (2017, pág. 1), em seu livro ―Sistema Prisional: Colapso Atual e Soluções Alternativas‖, o Estado de direito é condição sine qua non para que a segurança necessária seja prestada ao cidadão. O que nos leva a questionar se no Estado em questão todos estão submetidos ao império da lei, de modo a respeitar as normas e, sobretudo, os direitos fundamentais.
Ante o exposto, conclui-se que ―conhecer de perto o fenômeno é, portanto, um dos pressupostos para que o Estado possa enfrentá-lo de forma minimamente eficiente.‖ (GRECO, 2020, pág. 4). Desse modo, o presente estudo tem por objetivo analisar como a Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Norte/RN enfrenta as ORCRIMs atuantes no referido estado, assim como observar o quanto as ciências penais contribuem para tanto.
Adotamos o Método Histórico-dialético. Histórico, porque permite analisar, através dos dados históricos, as organizações criminosas e sua guerra por territórios. E dialético, uma vez que permite estabelecer a verdade, a partir de pontos de vistas diferentes: o do crime organizado, comparando as organizações criminosas, mais precisamente o PCC e o Sindicato do RN, seus estatutos; e o do Estado, a partir da segurança pública. Sempre fundamentando os argumentos. Foram utilizadas pesquisas bibliográficas, por meio de doutrinas da área de direito constitucional, direito penal, criminologia e segurança pública, assim como pesquisas na Internet.
Para tanto, o primeiro tópico, intitulado ―AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS‖, versará sobre o surgimento dessas organizações no Brasil e como nosso ordenamento jurídico lida com elas, distribuído, respectivamente, nos subtópicos ―O SURGIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL‖ e ―AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO‖.
O tópico seguinte discorrerá sobre ―AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE/RN‖, falando inicialmente do Sindicato do Crime – SDR (―O SINDICATO DO CRIME DO RN – SDR‖) e do Primeiro Comando da Capital – PCC (―O PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL – PCC‖), correspondendo esses aos dois primeiros subtópicos, para, então, adentrar no última subdivisão denominada ―A GUERRA ENTRE O SINDICATO DO CRIME DO RN E O PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL – PCC‖.
E, por fim, o terceiro tópico, chamado ―CIÊNCIAS PENAIS E SEGURANÇA PÚBLICA: A SEGURANÇA PÚBLICA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE/RN‖, possuindo dois subtópicos, são eles: ―CIÊNCIAS PENAIS E SEGURANÇA PÚBLICA‖ e ―O ENFRENTAMENTO ÀS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS PELO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE/RN‖.
Assim sendo, indagamos se o Governo do Estado do Rio Grande do Norte/RN cumpre com o que preconiza o artigo 144 da Carta Magna, quanto à preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio de suas forças e políticas de segurança pública no enfrentamento ao crime organizado.
2. AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
Ao longo do tempo, o crime vem mudando a sua faceta, necessitando de uma resposta cada vez mais eficaz do Estado. Nos dias atuais, o que se tem é o criminoso bem preparado e articulado, formando um verdadeiro ―poder paralelo‖ ao Estado, tomando para si comunidades, onde irá aliciar seus soldados, manipular relações e fomentar violência. Trata-se das organizações criminosas ou facções criminosas, como são mais conhecidas.
Segundo Greco, ―a delinquência organizada existe desde sempre‖, todavia, o que se entende hoje por criminalidade moderna, para alguns doutrinadores surgiu na Itália, no século XIX, já para outros, nos EUA, no século XX (2020, pág. 02).
O fato é que no Brasil a primeira ORCRIM surgiu em 1979 e desde então incontáveis outras se formaram e se fortaleceram. De modo que o Estado vem tendo que lidar com um inimigo fortemente armado e articulado, sofrendo danos inenarráveis como sujeito passivo direto e os particulares, por sua vez, sofrem como sujeito passivo indireto, quando se vêm privados de seus direitos por essas organizações.
A despeito do que foi mencionado acima é inegável a urgência de uma ação imediata do Estado, para proteger o seu bem jurídico em questão: a paz. Foi o que fez o governo do Rio de Janeiro/RJ, com apoio da Marinha do Brasil e da Polícia Federal, em 2007, ao incursionar no Complexo do Alemão, objetivando reaver o poder daquele território para si.
As comunidades carentes foram negligenciadas muito tempo por quem tinha o dever de garantir os seus direitos fundamentais, o Estado. Dando espaço, assim, para que um poder paralelo, as ORCRIMS, fizesse a vez de garantidor e protetor dessa parcela da sociedade.
Como disse Cesare Beccaria, ―as vantagens da sociedade devem ser igualmente repartidas entre todos os seus membros‖ (2015, pág. 19), por tais motivos, faz-se necessário um Estado presente na totalidade de seu território, assegurando garantias mínimas de sobrevivência para a população, sobretudo, a segurança pública, no caso sub examine, o combate às organizações criminosas.
2.1O SURGIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL
Surge, no final da década de 70, a primeira facção criminosa no Brasil, a partir do contato dos presos políticos com presos comuns.
Os presos políticos, por possuírem o nível de escolaridade mais elevado do que o da massa carcerária da época, eram extremamente articulados, de modo que ―rapidamente criaram regras de convivência no estabelecimento prisional: o dia de visita é sagrado, o preso deve respeitar a visita de seus companheiros, se tem algum problema para resolver com algum apenado deve esperar a visita acabar‖, dentre outras normas (BARBOSA, 2019, pág. 11).
Os presos comuns observaram que agindo coletivamente, conforme tinham determinado os presos políticos, a recém-formada facção criminosa ganhava força frente à direção do presídio. De feito que os faccionados não poderiam agir, daquele momento em diante, de maneira isolada, devendo sempre consultar a cúpula da organização, a quem caberia a decisão final.
Com o tempo, muitos integrantes da facção iam ganhando liberdade e passaram a colocar em prática o que tinham aprendido no presídio, contudo, dessa vez, articulados e organizados.
A cocaína foi a responsável pela grande ampliação do poder do CV, na
virada dos anos 70 para os 80. O Brasil entrou definitivamente na rota da
droga, como ponto de distribuição para a Europa e como mercado
consumidor do produto de baixa qualidade.
Também trouxe armamento pesado, como pistolas 7,65, metralhadoras
Bereta, Uzi e Ingran de 9 mm, fuzis automáticos, granadas, rifles, miras
especiais de laser, munição de aço especial, armamento de guerra
antitanque e antiaéreo (FOLHA ONLINE, 2002).
Ampliação da rede varejista de drogas nas favelas do Rio, intensificada
entre 1981 e 1986, foi favorecida pela política do governador trabalhista
Leonel Brizola, que a partir de 1983 suspendeu a ação da polícia nos
morros (MANSO, 2010).
Ao tempo em que proibiu a entrada das polícias nos morros, Brizola e Darcy Ribeiro (então vice-governador) criaram um projeto educacional, que se materializava por meio dos Centros Integrados de Educação Pública – CIEP‘S, instalados nas entradas das comunidades.
Todavia, seu sucessor, Moreira Franco, põe fim ao projeto, de modo que os CIEP‘S passaram a ser comandados pelos traficantes. Concomitante a isso, ―o sucesso da aposta no tráfico de drogas, feito pela nova facção, só ocorreu porque, nessa época, cartéis bolivianos e colombianos buscavam contatos na América Latina para ampliar a exportação de cocaína e diversificar a venda além dos Estados Unidos” (MANSO, 2010). Foi quando Pablo Escobar popularizou a cocaína no Rio de Janeiro/RJ, tendo em vista o baixo valor cobrado pelo produto, além de introduzir os fuzis no país.
Fernandinho Beira-Mar, ao assumir posição de destaque na organização criminosa, alterou o modus operandi no atacado da cocaína, avocando a sua produção e distribuição, e eliminando os intermediários, aumentando, assim, os lucros.
O tráfico de drogas, apesar de ser a principal atividade do Comando Vermelho, não é a única, já que essa facção pratica roubos, explosão de caixas eletrônicos, homicídios e assim por diante.
Durante mais de uma década, o Comando Vermelho foi a única organização criminosa do país. Até que dia 02 de outubro de 1992, houve a rebelião na Casa de Detenção de São Paulo/SP, Carandiru, necessitando a intervenção da Tropa de Choque, resultando na morte de 111 detentos. O Carandiru foi desativado e os presos foram distribuídos para outros presídios, 8 (oito), em especial, foram transferidos para a Penitenciária de Taubaté/ SP.
Na tarde do dia 31 de agosto de 1993, durante uma partida de futebol, os 8 (oito) sobreviventes ao massacre do Carandiru, até então intitulados ―os da capital‖, após uma briga, mataram seus rivais. Surgindo, dessa maneira, o Primeiro Comando da Capital – PCC, a segunda facção criminosa brasileira e atualmente a maior.
Se o CV teve, de certa forma, as suas regras criadas pelos presos políticos, o estatuto do PCC foi elaborado por três integrantes da máfia italiana, que cumpriam pena na mesma prisão em que o Primeiro Comando foi criado. A sigla PCC é representada pelo número ―1533 – 15 é o P como a décima quinta letra do alfabeto, antes da inclusão do K e 33 é CC, sendo o C como a terceira letra do alfabeto‖ (BARBOSA, 2019, pág. 17).
Hoje o PCC ganhou status transnacional, inclusive fazendo aliança tanto com outras facções brasileiras, quanto com grupos terroristas de outros países. Sem contar que financia o novo cangaço, ao passo que aluga os armamentos utilizados na ação criminosa. As facções criminosas ou fazem aliança entre si ou guerrilham umas com as outras. Sendo um dos maiores responsáveis pela crescente violência urbana.
Esse „cangaço moderno‟ ganhou destaque midiático pela forma de atuação
dos indivíduos que o cometem e hoje representa um grande desafio para a
Segurança Pública. Inicialmente no Nordeste e atualmente em todo o país e
América do Sul, a característica principal dos bandos armados conhecidos por novos cangaceiros é assaltar agências bancárias em pequenas cidades interioranas, o que constitui uma das mais rápidas formas de
capitalização do crime organizado. Entender o funcionamento dessa
modalidade dinâmica, ágil, bem estruturada logística e financeiramente é
fundamental para um enfrentamento, principalmente nas suas
consequências e interligações com outros crimes (PONTES, 2020).
No expressivo dizer de Greco, ―sua fonte principal de financiamento são os assaltos a bancos, os roubos de cargas e a comercialização de drogas, notadamente a maconha e a cocaína” (2020, pág. 17). Mas não podemos deixar de fora as atividades menos rentáveis, roubos, sequestros, extorsões e homicídios.
Depois do nascimento dessas duas organizações criminosas, CV e PCC, surgiram diversas outras por todo o país, como é o caso da Família do Norte – FDN, ORCRIM criada em 2006 com intuito de controlar o narcotráfico na região amazônica, hoje é a terceira maior do Brasil; Sindicato do Crime do RN, no Rio Grande do Norte; Okaida, da Paraíba; Guardiões do Estado – GDE, do Ceará, dentre outras.
Fato é que as prisões são como uma espécie de escritório do crime, tendo em vista que é a partir delas que há a cooptação de membros, sobretudo quando ocorrem as transferências de chefes de facções para presídios comuns. Essa admissão foi favorecida com o advento do telefone celular e com a sua facilidade em adentrar nos presídios.
Tanto as transferências de chefes de facções, quanto os celulares, favorecem o crescimento das organizações criminosas já existentes, assim como propiciaram a criação de novas organizações. Resultando, desse modo, em um colapso na segurança pública, devido ao grande número de facções criminosas espalhadas por todo o país.
Dito isso, faz-se mister a aplicação de políticas e programas de segurança pública voltados para o combate ao crime organizado, bem como a sua articulação com outras políticas públicas.
2.2 AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Com peculiar maestria, Cesare Beccaria, em seu livro ―Dos Delitos e Das Penas‖, sintetiza que o homem naturalmente tende a não seguir regras e normas, tirando, desse modo, as liberdades individuais, portanto, foi necessária a eleição de representantes do povo, os quais defendessem os interesses comuns, punindo quem não os respeitasse.
Como se viu anteriormente, esse despotismo, poder arbitrário, já não é mais praticado de forma individual, como em outrora, mas em grupo e de forma estruturada e organizada, o que aumenta significativamente o condão de limitar as liberdades individuais e, por conseguinte, exige uma resposta eficaz por parte do Estado.
No Brasil, assim como nos outros países, há a preocupação do Poder Legislativo com a criação de leis que coíbam e punam verdadeiramente a prática do delito em comento.
Nesse passo, dezesseis anos após o surgimento da primeira ORCRIM, é promulgada no Brasil em 03 de maio de 1995 a Lei de n.º 9.034/95, que trata sobre o tema, entretanto, a mesma não conceituava organização criminosa e, sim, equiparava à quadrilha ou bando contidos na antiga redação do art. 288 do Código Penal Brasileiro. A Lei n.º 9.034/95 trazia meios para prevenir e repreender a prática das organizações criminosas.
Infelizmente, mesmo com o advento da Lei n.º 10.217/01, a lacuna persistiu. Houve quem quisesse adotar o conceito de organização criminosa existente na Convenção de Palermo, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 5.015/04, sob a alegação de que essa definição já fazia parte do ordenamento jurídico brasileiro tendo em vista estar presente naquele decreto.
Art. 2.º Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:
a) “Grupo estruturado de três ou mais pessoas” – existentes há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;
Analisando-se o conceito adotado pela Convenção de Palermo, Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado, percebe-se que a organização criminosa foi bem conceituada, sendo, inclusive, definição essa muito parecida com a que se utiliza atualmente no ordenamento pátrio brasileiro. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal – STF entendeu que violaria o princípio da legalidade caso reconhecesse a referida conceituação, em virtude de a mesma vir de um tratado internacional.
A definição legal de ORCRIM veio com o advento da Lei n.º 12.694, de 24 de julho de 2012, apesar de ainda não criar o tipo penal para o crime de organização criminosa. O fim dessa lei era elaborar uma definição para organização criminosa, para então colocar em prática os órgãos colegiados de primeiro grau, criados pela mesma lei para julgar delitos praticados por essas organizações.
É no ano seguinte que surge a Lei nº 12.850, 2 de agosto de 2013, em vigor, reformulando o conceito de organização criminosa e tipificando tal delito.
A mencionada lei alterou, ainda, o art. 288, do Código penal, retirando os termos quadrilha ou bando e substituindo por associação criminosa, reduzindo o número de agentes de mais de 3 (três) para no mínimo 3 (três). Contudo, a Lei n.º 13.850/13 foi omissa quanto ao que reza o art. 9º, da Lei Complementar n.º 95/98, in verbis: “a cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas‖. Acarretando, portanto, a discursão no âmbito jurídico se teriam dois conceitos de organização criminosa, o novo trazido pela Lei n.º 12.850/13 e o antigo definido pela Lei n.º 12.694/12.
Obviamente, não se pode negar que seria inviável conviver com as duas definições, causando uma imensurável insegurança jurídica, haja vista que a lei n.º 12.694/12, considera, para fins de configuração de organização criminosa, a união de no mínimo 3 (três) agentes e inclui as contravenções penais no rol de crimes cometidos pela mesma; já a Lei n.º 12.850/13, exige um número mínimo de 4 (quatro) agentes e as contravenções penais não são consideradas por ela para fins de organização criminosa.
Assim sendo é imprescindível salientar que a legislação brasileira definiu, para o crime de organização criminosa, os seguintes critérios: associação de 4 (quatro) ou mais pessoas, estrutura ordenada e divisão de tarefas, obtenção de qualquer vantagem, prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Art. 1.º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1.º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
O número mínimo de agentes para configurar a formação de organização criminosa, junto com outros requisitos, é de 4 (quatro) pessoas, podendo, inclusive, apenas uma delas ser imputável pelo critério da maioridade penal, confirmando, ainda, a formação dessa organização se algum agente não for identificado.
A estrutura ordenada é a forma como a organização criminosa planeja e executa suas ações. A forma mais comum é a piramidal, que é a forma hierarquizada, mas existem também as redes ou células, em que a hierarquia é em menor grau do que a piramidal, mas ainda assim existe dentro dos pequenos grupos.
Essa autoria de escritório leva direto para outra característica da organização criminosa, a divisão de tarefas, as quais possuem natureza heterogênea e acontecem de acordo com as habilidades de seus agentes ou com a tarefa criminosa para a qual foi cooptado. Vale ressaltar que em decorrência do domínio funcional sobre o fato, os cabeças dessas organizações criminosas responderão por todos os atos criminosos que sua facção vier a praticar.
A finalidade de obter vantagem de qualquer natureza seja financeira ou não, direta ou indiretamente, neste caso em virtude de sonegação fiscal e em relação àquele é obtido com a prática ativa de crimes.
Para o conceito de organização criminosa observa-se a pena em abstrato, não se consideram agravantes e causas de aumento. E a pena deve ser superior a 4 (quatro) anos. Observe, contudo, se o crime tiver caráter transnacional, não se leva em consideração a pena prevista, sendo nesse caso, abrangidas até mesmo as contravenções penais.
Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 2º Esta Lei se aplica também:
I- às infrações penais previstas em tratados ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
II- às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos.
Quando é iniciada a execução de infrações penais no Brasil, desde que previstas em tratados ou convenção internacional, o resultado ocorra no estrangeiro, ou inversamente, a execução iniciada no exterior e o resultado ocorrer no Brasil, independente da configuração de organização criminosa, poderão ser aplicados todos os institutos previstos na Lei n.º 12.850/13. A mesma regra se aplica quando organizações terroristas cometem atos terroristas, independente do número de pessoa.
Como mencionado anteriormente, apenas após o advento da Lei n.º 12.850/13 que a participação em ORCRIM foi tipificada penalmente. Verbis:
Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.
Pena- reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações.
Segundo Greco, o legislador ao criminalizar a organização criminosa, não está punindo apenas os atos preparatórios, mas sim uma estrutura extremamente organizada, com grande potencial lesivo, lesionando diversos bens jurídicos (2020, pág. 54).
Note-se que a pena de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, diz respeito apenas ao fato de o agente promover, constituir, financiar ou integrar a organização criminosa. Somam-se a isso as penas de todos os ilícitos penais que ele vier a praticar. A ação penal é de iniciativa pública incondicionada.
Em se tratando de ORCRIM voltada para a prática de crimes hediondos, a simples associação a essa organização, já configura crime hediondo, conforme a alteração da Lei 8.072/90 pela Lei n.º 13.964/19, veja-se:
Art. 1 São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:
Parágrafo Único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados:
[…]
V- o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado.
A vista do até aqui exposto, pode-se apreender, minimamente, a atual conjuntura da segurança pública do país e o aparato legal, o qual permite ao Estado ter subsídios jurídicos para fazer valer o direito à segurança pública que a todos assegura a Constituição Federal, em seu artigo 144. O legislativo, mesmo que a passos lentos, conseguiu dar uma resposta que sanasse as lacunas e celeumas no que concernem as organizações criminosas. Resta saber, daqui por diante, se os outros poderes, sobretudo o executivo, estão fazendo a sua parte.
3. AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE/RN
Cumpre observar, que as facções criminosas no Estado do Rio Grande do Norte/RN, em sua maioria, ou tem curta duração, ou mesmo quando perdurando no tempo, as suas existências chegam a ser insignificantes se comparadas com as duas organizações criminosas que guerrilham entre si pelo poder desse território, o Primeiro Comando da Capital – PCC e o Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte – SDR. Essa última é detentora do maior número de adeptos e, portanto, a facção criminosa que domina o crime organizado no Estado.
A primeira facção criminosa no RN surgiu nos primórdios dos anos 2000, denominada Primeiro Comando de Natal – PCN, em nada tinha relação com o PCC, apesar de seus ex-integrantes terem sido os responsáveis, em 2007, pelo surgimento da facção paulista no estado. O PCN atuava na Penitenciária João Chaves e em São Gonçalo do Amarante, no bairro Jardim Lola.
Outra facção que teve curta duração, de apenas 2 (dois) anos, foi a batizada de Os Cavaleiros do Apocalipse. Criada dentro do presídio em 2012, por membros excluídos do PCC, extinguiu-se devido opressão desse grupo. Essa facção não chegou a ter membros nos presídios, tampouco influência, nas ruas.
A Favela do Fio e parte do Planalto, em Natal/RN, capital potiguar, sofrem influência da facção Zero, criada em 2017, por Coquinho, Vaca e Baiano. Padecem constantes ataques do Sindicato, o qual almeja tomar para si o referido território.
Em Mossoró, no oeste potiguar, mais precisamente no bairro Belo Horizonte, originou-se a facção conhecida por Caveiras, existindo até os dias atuais.
Um dos membros da Filial do SDR se desentendeu com a facção, criando, juntamente com mais outros dois comparsas, o Conselho Geral dos Guardiões do Estado do Ceará no RN. Nesse mesmo sentido, surgiu em 2017, a Okaida RB, composta pela união entre o Sindicato do RN e os integrantes que se desvincularam da facção Okaida da Paraíba, após desavença com o Comando Vermelho – CV.
O CV, por ser aliado ao Sindicato do Crime do RN, não batizava integrantes no Estado do Rio Grande do Norte/RN. E seus integrantes que viessem de outros estados deveriam fazer ―negócio‖ com o Sindicato do Crime do RN.
Todavia, essa aliança vem sendo questionada, haja vista os últimos acontecimentos noticiados pelas impressas local e nacional, como pode-se constatar a seguir:
Jussier de Araújo Santos, conhecido por “Siê” e intitulado como o “dono do
morro” de Mãe Luiza, foi preso nesta sexta-feira (26). Ele vivia em um flat de
luxo no Rio de Janeiro, junto com a família, a quase 2 anos. De lá,
comandava o tráfico em Mãe Luiza, capital Potiguar. Durante as
investigações os policiais conseguiram apurar que “Siê” é o principal
responsável para que a facção carioca Comando Vermelho se estabeleça
no RN, tomando o lugar da facção Sindicato do RN (MOSSORÓ HOJE,
2021).
Como se pode inferir, o Comando Vermelho almeja expandir seus ―tentáculos‖ não apenas para o exterior, como têm feito, assim como o fazem o PCC e a FDN8, mas também para o território do Rio Grande do Norte, iniciando pelo Morro de Mãe Luiza, mesmo que lhe custe a parceria com o Sindicato do Crime. Quanto ao PCC, como citado anteriormente, existe no Estado há 14 (catorze) anos, tendo início a partir do contato entre assaltantes de bancos do estado, que cumpriram pena no Presídio Federal de Catanduvas, com faccionados do PCC, os quais foram batizados, recebendo a missão de instalar a filial do Primeiro Comando no Estado Potiguar.
Da sua expansão no Estado, em 2007 à 2013, o PCC dominou o crime no RN, sem enfrentar resistência e nem concorrência. As ordens vindas de São Paulo/SP eram inquestionavelmente obedecidas, os problemas ocorridos na filial do Estado do RN eram levados à SP, as punições eram severas e o valor cobrado pela ―cebola‖ aos faccionados no RN era o mesmo cobrado em São Paulo/SP. ―Os criminosos natalenses estavam insatisfeitos em receber ordens de uma cúpula que, além de vir de outra região, não aplicava o princípio da igualdade na resolução de conflitos‖ (AMARANTE, 2019, pág. 79).
Todos esses fatores geravam revolta nos faccionados. Contudo, na grande Natal o fator motivador para que se rebelassem foi: a) o decreto de morte do criminoso ―Folha‖, pelo PCC, alegando pertencer o decretado a grupo de extermínio; b) acontecimento somado ao sequestro de ―Chiquinho‖ dentro do sistema prisional, como pretexto para conseguir drogas, uma vez que o PCC pediu a esposa do refém uma quantia do mencionado produto como condição para liberar o prisioneiro; e c) o decreto de morte de Berg Neguinho, já que ele iria dar fuga, na noite de sua morte, a outros detentos.
Já no Oeste Potiguar, mais precisamente em Mossoró/RN, alguns atacadistas do tráfico de drogas estavam descontentes com o PCC, pois mesmo que encontrassem fornecedores com preços mais em conta, eram obrigados a comprar apenas dos fornecedores determinados pelos líderes do PCC, ainda que isso representasse um valor 5 (cinco) vezes maior.
Até que, em 2012, José Kemps Pereira de Araújo, vulgo ―Alicate‖, cria na cela 17 (dezessete), do pavilhão 2 (dois), na Penitenciária Estadual de Parnamirim – PEP, o Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte, representado pelo número 1814 no ―alfabeto congo.
Esse ato foi de uma relevância singular na história da facção, haja vista que tal decisão proporcionou o ingresso de muitos detentos à, então, incipiente facção, passando a integrá-la. Motivo pelo qual leva muitas pessoas a acreditarem que o Sindicato do Crime surgiu na Penitenciária Estadual Dr. Francisco Nogueira Fernandes, conhecida como Alcaçuz.
A oposição ao PCC foi um dos principais motivos para a criação do SDC, ainda assim, a elaboração e as referências sobre o estatuto e a ética do
crime são bastante semelhantes ao da facção paulista, bem como a
estrutura do Comando Vermelho. Entretanto, as maiores referências usadas
pelo SDC vêm do Comando Vermelho: a expressão “tudo 2” representa as
duas siglas da facção: o “C” e o “V”; a menção ao “trem bala”. Cabe
ressaltar que os lemas de “paz, justiça, liberdade e igualdade” estão
presentes em todas as facções, ainda que a maneira de operar esses
conceitos se diferencie em alguns pontos (AMARANTE, pág.8).
Portanto, resta claro que, em última análise, independente da organização criminosa, o crime tem como ideal a paz, a justiça, a liberdade e a igualdade, entretanto, a concepção de tais palavras serão empregadas de forma a se adequar ao modus operandi de cada facção criminosa. E será justamente essa adequação que irá determinar se essa organização se perpetuará no tempo, ganhando muitas vezes status de empresa e fazendo frente ao Estado ou se a facção foi apenas uma tentativa fracassada de organização criminal.
E enquanto ― empresas‖, possuem uma estrutura ordenada, com divisão de tarefas, objetivando obter vantagem de qualquer natureza, possuindo, para tanto, ética e estatuto próprios.
3.1. O SINDICATO DO CRIME DO RN – SDR
O Sindicato do Crime surge no Estado do Rio Grande do Norte/RN no ano de 2012, porém é oficializado apenas no ano seguinte, em 27 (vinte e sete) de março de 2013
O Estatuto do SDR tem em seu cabeçalho a data de fundação da organização criminosa, seu objetivo e o seu lema. No corpo do texto, já em seu artigo 1º, dos 16 (dezesseis) artigos, percebe-se os ideais de Paz, Liberdade, Igualdade e Justiça, nestes termos:
Movidos pela necessidade da criação de uma organização criminosa foi fundado no dia 27/03/2013 o “sindicato do crime do RN” com objetivo de melhorias nos sistemas carcerários e na rua para combater contra covardias, opressões e extermínio e unir as quebradas e o nosso lema é “o certo pelo certo”
- Paz, liberdade, igualdade e justiça…
- Os integrantes em liberdade têm 60 dias para entrar em sintonia, caso
não entre em sintonia vai ser avaliado pelo final…
- Guerra contra grupos de extermínios e quem fechar com o errado…
- Dentro do sistema carcerário e na rua a palavra de qualquer um é válida
assim esteja certo independente de facção ou não …
- Todos os integrantes da facção RN têm obrigação de seguir a ética do
crime acima, de tudo a verdade a igualdade para todos …
- Todos os integrantes da nossa família não pode usar crack nem Rivotril
no sistema nem na rua, caso venha usar vai ser avaliado pela final…
- Todos os integrantes da família RN tem o dever e a obrigação com os de
fora da família , sendo que a família tá em primeiro lugar …
8.Todos os integrantes da família RN tem obrigação de respeitar os
fundadores da facção que é a final…
- Se caso algum integrante venha sair da facção vai ser avaliado pela
final…
- Todos os integrantes da família RN tem que dar seu caixa mensal e
rifas, salvos aqueles que se encontram preso sem condições , dinheiro esse
que será usado para benefícios da facção …
- Todos aqueles integrantes que tentar dividir a família vai ser avaliado
pela final…
- Todos nós da família RN que tiver algum problema pessoal tem que
comunicar a final para junto com o integrante resolver da melhor forma…
- Todos os integrantes da família RN que se encontram em liberdade e
estruturado que esquecer e virar as costas para a família vai ser avaliado
pela final…
- Todos nós da família RN tem que dar bom exemplo a ser seguido, por
isso não aceitamos cagueta, estuprador e outros atos que manche a ética do crime …
- Todos nós tem que respeitar a disciplina da família, cada um recebe o que merece , e se o integrante tiver em dia com a facção e vier a ser preso ou morrer ou doenças a final tem obrigação de manter a mulher e os filhos do integrante …
- O sindicato do crime tem um prazo que é de 20 dias mais 10 caso nesse
prazo não for resolvido o credor junto com a final resolve , a final não dando em sintonia o conselho tem autonomia de resolver pois o é formado por 8 oito mentes de auto nível prontos para resolver qualquer tipos de situação quando a final não tiver presente… (Amarante, 2019, pág. 96).
Percebe-se que o Estatuto traz algumas regras, alguns procedimentos e prazos, proibições, bem como determina cargos da alta cúpula da organização. A Final representa os fundadores da facção e é a responsável por todas as decisões relevantes na organização, na sua falta, responde o Conselho, o qual está hierarquicamente abaixo da Final, sendo composto por 8 (oito) pessoas. Dentre as proibições, estão: usar crack e/ou rivotril, fazer parte da facção se for considerado cagueta ou for estuprador. Criou, ainda, um caixa mensal e rifas, para manter a facção.
A princípio, em muito às normas do SDR se assemelham às do PCC, todavia, ao passo que a facção potiguar vai se aproximando do CV, adota os seus dez mandamentos, os quais estão dispostos a diante:
São os mandamentos do CV: 1. Não negar a pátria; 2. Não cobiçar a mulher do próximo; 3. Não conspirar; 4. Não acusar em vão; 5. Fortalecer os caídos; 6. Orientar os mais novos; 7. Eliminar nossos inimigos; 8. Dizer a verdade mesmo que custe a vida; 9. Não “caguetar” (sic) e 10. Ser coletivo (BARBOSA, 2019, pág. 64).
Cumpre observar que os mandamentos elaborados pelo Comando Vermelho e absolvidos pelo Sindicato do Crime em muito corroboram o estatuto da sua facção, isso fica evidenciado se forem comparados o item 7 (sete) referente aos mandamentos, com o item 3 (três) do Estatuto, por exemplo, em que ambos determinam o que deve acontecer com os inimigos da ―Família RN‖, representando, assim, uma ameaça a mesma.
Além dos mandamentos, os integrantes do Sindicato do Crime também copiaram as regras da ―quebrada‖, elaboradas pelo CV. Essas regras objetivam o favorecimento à prática dos crimes, sem que o Estado intervenha, tampouco, que as facções rivais atrapalhem e, para tanto, os moradores devem respeitar às regras da ― quebrada‖.
Quanto às regras da “quebrada”, Disciplina na Quebrada, elas estão
dispostas em 14 itens, foram criadas para que o cotidiano da comunidade
seja favorável para a facção e assim os integrantes possam exercer suas
atividades criminosas sem importunos do Estado e das facções criminosas
inimigas, principalmente depois que foi hasteada a bandeira vermelha entre
o Sindicato do Crime e o PCC, o Sindicato do Crime criou essas regras e
passou a exigir mais apoio dos moradores, criminosos da “massa” e dos seus próprios faccionados. Eles costumam colocar essas regras em muros
nas comunidades e divulgam também nas redes sociais, principalmente
pelo WhatApp (BARBOSA, 2019, págs. 64).
Em linhas gerais, as referidas normas tratam de regras de convivência, se assim poderem ser chamadas, proibindo brigas entre vizinhos, perturbação do sossego alheio, novamente proibição de uso de Rivotril, proibição de vínculo com policiais, entre outras, as quais podem ser verificadas na íntegra, a seguir:
Em setembro de 2014, um ano e seis meses após a sua oficialização, o Sindicato do Crime faz a sua primeira reivindicação para o Estado enquanto um grupo organizado, reclamando melhores condições no sistema prisional, sendo assim, reconhecido como facção, pelos órgãos estatais, pela primeira vez.
No ano seguinte, março/2015, com a negativa por parte das autoridades competentes em atender aos requerimentos do SDC, exonerar o então Diretor do Pavilhão 5 Osvaldo Júnior e a Diretora da Penitenciária Dinorá Simas, essa organização criminosa ordenou para os seus integrantes um Salve, por meio do qual o Estado conheceria a sua força arrebatadora.
Como o PCC também tinha interesse nas reivindicações reclamadas pelo Sindicato do Crime, ele também participou desse Salve, muito embora de forma independente do SDC, sendo responsável pelos seus próprios atos delitivos. Anota se, por fim, que o Sindicato do Crime é integrado, em sua maioria, por jovens, os quais ocupam, inclusive, cargos relevantes, dando apoio às lideranças, as quais estão cumprindo pena nos estabelecimentos penais.
Destarte, o SDR atualmente conta com um efetivo de mais de 4 (quatro) mil homens e domina um território equivalente a mais de 90% do Estado, sem falar nas prisões, onde detém grande comando e de onde está a central de comando, o escritório do crime.
3.2. O PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL – PCC
O Primeiro Comando da Capital – PCC surgiu em São Paulo, mas criou uma estratégia expansionista pelo resto do país por dois motivos, o primeiro foi econômico, haja vista a necessidade de ampliar o comércio ilegal de drogas, e o segundo e, mais urgente, foi político, uma vez que seus líderes estavam espalhados pelos presídios fora do estado de São Paulo, necessitando de apoio e proteção.
A criação da célula do PCC no RN se deu após o regresso de Jackson Jussier Rocha Rodrigues, conhecido como ―Monstro‖, e Alexandre Thiago Costa Silva, vulgo ―Xandinho‖, em 2007, os quais estavam cumprindo pena na Penitenciária Federal de Catanduvas/SC, onde foram batizados pela mencionada facção. O PCC logo ganhou adeptos e tomou conta do sistema carcerário do RN, assim como das ruas, até o advento da facção Sindicato do Crime, em 2013.
A organização em comento, hoje com 28 (vinte e oito) anos de existência, tem status transnacional e opera como uma empresa, tendo, inclusive site14, por meio do qual divulga o seu regimento em diversos idiomas e as últimas notícias dos Estados e Países onde o PCC tem células ou aliados.
O PCC é conhecido como a organização criminosa brasileira mais bem estruturada, na realidade ―o PCC já nasceu organizado, com sigla própria, slogan e um estatuto bastante difundido no país como um todo e que na época contava com 16 artigos‖ (GRECO, 2020, pág. 16). Atualmente o estatuto do PCC possui 18 artigos.
Além do estatuto da organização criminosa, o PCC criou um ―dicionário disciplinar‖, uma ―cartilha de conscientização‖ e uma oração do Pai Nosso, com brandos da facção ao final; os dois primeiros constam no site do PCC, já mencionado anteriormente, em vários idiomas.
Não obstante o PCC ter apenas 900 (novecentos) faccionados batizados no Estado em 2018, a ORCRIM paulista consegue fazer frente aos mais de 4 (quatro) mil faccionados do SDR, uma vez que possui caráter transnacional, sendo infinitamente mais estruturado e possuindo mais recursos do que a facção local. São nesses termos que acontecem as guerras entre o PCC e o SCR.
3.3. A GUERRA ENTRE O SINDICATO DO CRIME DO RN E O PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL – PCC
Durante 20 (vinte) anos, as duas organizações criminosas mais antigas do país, o Comando Vermelho – CV e o PCC, conviveram respeitosamente, chegando, inclusive, a proteger e colaborar com os negócios uma da outra.
Todavia, essa parceria tácita foi posta a termo quando se iniciou um conflito pelo poder entre as facções Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital. Pode-se dizer, de certa forma, que seria essa uma disputa de vaidades, como acertadamente denomina Greco (2020).
Em virtude dessa rivalidade pelo poder, aos poucos o sistema prisional foi ficando tensionado, entretanto ― governos e autoridades se mantinham inertes, já que a informação era mantida à distância dos holofotes da imprensa e ausente do debate público‖ (MANSO, 2018, pág. 22). Em dezembro de 2016, o PCC e o CV, que até então tinham um acordo de não agressão, enfim, declararam guerra.
Destarte, o mundo do crime foi polarizado, de modo que ou as outras organizações criminosas se aliavam à facção paulista, ou se associavam ao Comando Vermelho, fato é que o confronto era iminente e ―os presídios brasileiros viviam momentos de incerteza‖ (MANSO, 2018, pág. 8).
Conforme aduzido em linhas pretéritas, no Estado do Rio Grande do Norte/RN a polarização se deu de modo que o Sindicato do Crime e o Comando Vermelho fortaleceram a aliança que já existira, haja vista no referido estado existir uma cédula do PCC, sendo ele concorrente direto da facção potiguar no mercado de drogas e na disputa por territórios. O Comando Vermelho deu todo o apoio ao Sindicato do Crime para que ele fizesse oposição ao PCC, sobretudo em 2017, no Massacre de Alcaçuz.
Apesar de no Estado do Rio Grande do Norte/RN haver diversas facções criminosas, responsáveis por uma infinidade de crimes, tráfico de drogas, assaltos, roubos, furtos, homicídios, o grande vilão da paz social é a guerra entre as facções PCC e Sindicato do RN.
A propósito, 4 (quatro) integrantes do SDR foram mortos na Cadeia Pública de Caraúbas, em 15 (quinze) de agosto de 2015, em retaliação ao espancamento de um integrante do PCC, que durante a sua transferência foi colocado no setor da facção rival, além desse fator, havia um Salve do PCC, ordenando que ―onde tivesse favorável, em maioria, atacasse o sindicato do crime‖ (Barbosa, 2019, pág. 83).
Em seguida, visando conquistar a comunidade da África, na capital Norte Rio Grandense, que até então era dividida em África de cima, comandada pelo PCC e África de baixo, dominada pelo SDR, o PCC encomendou a morte de ―Golinha‖, integrante do Sindicato do Crime.
Por seu turno, o Sindicato do Crime, que já estava preparando uma retaliação ao PCC, em resposta ao ocorrido em Caraúbas, colocou em prática a sua vingança. No dia 13 (treze) de setembro de 2015, O SDR mata 3 (três) integrantes da facção paulista. E reforça o efetivo de homens com o fito de tomar a África de cima, o que só é possível quando a polícia militar, em uma abordagem de rotina numa barreira policial, prende a liderança do PCC na comunidade.
Enquanto isso, em Caicó, na Penitenciária Estadual Desembargador Francisco Pereira da Nóbrega, o Pereirão, ― presos que estavam em um local separado em razão das reformas no pavilhão E quebraram grades e um pergolado para ter acesso ao pavilhão A, onde ocorreu o confronto‖ (G1RN, 2015)16, entre integrantes do PCC e o presos que estavam no seguro17, resultando em diversos feridos e uma morte. Na mesma noite, integrantes do Sindicato do RN, que estavam nos pavilhões B e C, juntamente com os presos do pavilhão A, que tinham sofrido o ataque, cercaram os integrantes do PCC, que se refugiaram no telhado, utilizando as telhas como escudos contra as facas e pedras que o SDR jogavam para lhes atingir.
De aduzir-se, em conclusão, que a disputa por poder e território, que se inicia entre o PCC e o CV a nível nacional no final de 2016, já existia entre o Sindicato do Crime e o PCC a nível estadual, desde o nascedouro da facção local. No entanto, constata-se, ainda, que tal rivalidade acentuou-se após a antinomia entre as facções nacionais, tendo em vista que nesse momento eclodiu o massacre na Penitenciária de Alcaçuz.
No final da visita do mencionado dia, os integrantes do PCC que ocupavam o pavilhão 5 (cinco), com apoio dos presos que ocupavam o pavilhão 3 (três), invadiram o pavilhão 4 (quatro) e mataram os integrantes do Sindicato do RN que lá estavam e não conseguiram empreender fuga. Gravaram vídeos filmando os corpos decapitados e os fizeram circular na rede social WhatsApp, fazendo com que as imagens chocassem a todos. Nem um agente público foi morto ou ferido, foram contabilizadas, 26 mortes e várias fugas.
Foi preciso intervenção estatal não apenas com as forças de segurança, Choque, Bope, GOE, Itep, mas também com a empresa pública responsável pelos esgotos do estado19, uma vez que existiam rumores de que havia corpos na fossa.
Após 3 (três) dias do ataque sofrido por parte do PCC, o SDR tentou atacar o grupo rival, todavia foi surpreendido por disparos de arma de fogo, efetuados pelas forças policiais, para dispersar os insurgentes. Como medida para cessar a rebelião e evitar retaliação por parte do Sindicato contra o PCC, já que aquele estava em maior número, transferiu-se mais de 200 (duzentos) internos ligados à facção potiguar para o PEP.
Nenhum preso do pavilhão 4 e 5, dominados pelo Primeiro Comando da
Capital (PCC), foi transferido ontem da prisão localizada em Nísia Floresta.
“Fizemos transferências de presos que estavam no pavilhão 1 e 2,
principalmente porque tínhamos notícia de uma escavação muito intensa e
trazia um risco de fugas muito grande. Também tínhamos informações de
uma retaliação, que estava sendo preparada dos presos do pavilhão 1 e 2
contra os do pavilhão 5”, justificou Caio Bezerra, secretário de Segurança
Pública de Defesa Social (Sesed/RN) durante entrevista coletiva no final da
tarde de ontem. Bezerra disse que a decisão de transferência desses
presos foi logística. “Estão sendo transferidos hoje cerca de 220 presos
[…]” (LIMA, 2017).
É óbvio, pois, que o PCC viu na transferência acima mencionada, uma excelente oportunidade para atacar novamente, tendo em vista a redução do número de membros da facção rival em Alcaçuz naquele momento. O confronto recomeçou e foi ―transmitido ao vivo para muitos países‖ (Barbosa, 2019, pág. 130), televisionando os disparos de armas de fogo e levantando o questionamento de como os apenados tinham acesso a esse tipo de armamento.
Segundo Barbosa (2019), os armamentos e munições foram adquiridos tanto através de faccionados, que estavam em liberdade e jogavam os referidos objetos pelos muros da penitenciária, quanto por meio de corrupção de agente público que facilitou a entrada dos mesmos em Alcaçuz (pág. 131).
O Estado, em 21 de janeiro de 2017, separou a Penitenciária de Alcaçuz em duas partes, pavilhões 1, 2 e 3, onde ficariam o Sindicato do Crime, e os Pavilhões 4 e 5, destinado ao Primeiro Comando da Capital, para tanto lançou mão de contêineres, com o qual construiu um muro, conseguindo, dessa maneira, pôr fim à rebelião. ― O quadro só amenizou com a construção de um muro de contêineres que separava as duas facções inimigas e a vinda da Forca Tarefa Federal para atuar dentro do presidio. Esse evento, que ficou conhecido como Massacre de Alcaçuz […]‖ (AMARANTE, 2019, pág. 15).
O confronto que durou treze dias, não se limitou aos muros dos presídios, aconteceram ataques por todo o estado, principalmente na capital Natal, em que ônibus e até carro oficial do Governo do Estado foram incendiados, por meio de ordens vindas de dentro dos presídios, os Salves21. ―A primeira intervenção na rebelião por parte do Estado, aconteceu aproximadamente 14 horas depois do início‖ da mesma (BARBOSA, 2019, pag. 127). As referidas facções responsáveis pelo massacre foram o Sindicato do RN e o PCC.
Ademais da guerra das facções entre si, não se pode negligenciar o desrespeito dessas organizações para com as regras e normas estatais, negando, portanto, o Estado como representante único do povo, mesmo porque as duas coisas estão diretamente relacionadas.
Note-se, ao passo em que as ORCRIMs disputam o domínio territorial de uma comunidade objetivando, antes de tudo, o comércio ilícito de tráfico de drogas e ao conquista-lo aplicam normas que vão de encontro ao ordenamento jurídico pátrio, logo, é de depreender-se que mesmo as ações das organizações criminosas não tendo como fim afetar diretamente o Estado, mas sim a facção rival, o Estado sairá prejudicado, assim como toda a população, que vive refém da criminalidade. A exemplo do exposto tem-se o comunicado abaixo afixado nas paredes e muros da Comunidade de Mãe Luiza, dando ordens aos moradores, na íntegra:
“ATENÇÃO”
Viemos aqui através desse comunicado, passar para toda população do nosso morro de mãe Luiza que nós da família do sindicato […] queremos transparecer que temos que seguir tais coisas a baixo.
[…]
4- Qual quer tipo de situação que o morador quiser resolver, por favor não tomem atitudes isoladas, comuniquem a o crime da sua Quebrada pois seram tomadas atitudes corretas, assim estejam certos.
[…]
6- cada morador, tem que se manter como uma pessoa que zelam por suas vidas, ao ver pessoas armadas ou alguma coisa do tipo, não comuniquem a polícia pois isso serve para a própria segurança da sua residência, supermercados, farmácias, armazéns, lojas e etc.
[…]
8- devemos evitar usar drogas em frente de crianças. […]
(BARBOSA, 2017)
Entretanto, há atos das facções destinados diretamente ao Estado, como: a) o Salve, anteriormente comentado, que reivindicava a exoneração de Dinorá Simas; b) o Salve dos bloqueadores de 2016, em que ―praticaram 96 ataques a instituições públicas e queimas de ônibus em protesto contra a instalação de bloqueadores de celulares no Presídio Estadual de Parnamirim (PEP)‖ (Melo, 2021, pág. 56); c) o Salve de ataque do Sindicato de 2017, pois acreditava que o governos estaria beneficiando o PCC; d) o Salve de 2017 do PCC reclamando dos procedimentos adotados nas Penitenciárias após a rebelião em Alcaçuz, realizaram ataques a agentes de segurança pública; e) o Salve de 2018 do PCC, o qual foi declarado após os integrantes do PCC se machucarem, após a tentativa fracassada dos agentes de os levarem para o ―castigo‖, já que tinham descumprido os novos procedimentos do sistema prisional; f) o Salve de 2021 do Sindicato do RN, exigindo baixar o preço da gasolina, contudo, a gasolina não baixou, e não existiram ataques.
Aduz, em apertada síntese, que tanto o dano direto, quanto o dano colateral, ocasionado pelas facções criminosas no Estado do Rio Grande do Norte/RN são grandiosos, fazendo-se necessárias medidas enérgicas para alterar o panorama da Segurança Pública do Estado.
4.CIÊNCIAS PENAIS E SEGURANÇA PÚBLICA: A SEGURANÇA PÚBLICA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE/RN
A Emenda Constitucional n.º 45, criou o Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, o qual tem como atribuição o aperfeiçoamento do sistema prisional, as medidas alternativas à prisão, o fortalecimento à prevenção e a repressão de crimes graves, dentre outras. De modo que cabe a esse órgão inspecionar as medidas adotadas após uma crise penitenciária, como a que acometeu o estado do RN em 2017.
A Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública, do Conselho Nacional do Ministério Público – CNPM, com o objetivo, entre outros, de estar próximo ao Ministério Público no Rio Grande do Norte, para constatar as instabilidades no sistema prisional do estado, realizou visita institucional, havendo ainda reuniões com autoridades do MPRN e do Poder Executivo do referido estado, resultando em 2019 no documento intitulado ―Relatório de Visitas Institucionais Rio Grande Do Norte 2019.
Assim sendo, se um órgão fiscalizador e disciplinador a nível nacional, como o CNMP, encontrou óbice em ter acesso a alguns documentos, dos quais necessitava para desenvolver de forma adequada o seu trabalho, quiçá pessoas da sociedade26. Além disso, como bem pontuou o CNMP, em seu relatório, a Internet possibilita a busca dessas informações, nem sempre, claro, é possível se encontrar o que almeja, contudo, o meio virtual de pesquisa, é uma fonte inesgotável, a qual será utilizada bastante nesse tópico do artigo.
4.1. CIÊNCIAS PENAIS E SEGURANÇA PÚBLICA
O Brasil e, por conseguinte, o RN é regido por uma Constituição Federal, criada em 1988, a qual já em seu art. 1.º constitui como regime político o Estado Democrático de Direito.
Dito isso, fica evidente a incoerência e inadmissibilidade em se ter homens se organizando, em nome do crime, criando normas e regras, as quais vão de encontro às do ordenamento jurídico pátrio, formando um verdadeiro ―governo dos homens‖, se assim for possível chamar.
O Estado de Direito não pode, em hipótese alguma, se omitir diante da criação de um poder paralelo, o qual dita suas próprias regras, não reconhecendo a legitimidade da Carta Magna.
Oportuno se toma dizer que a Constituição do Estado do Rio Grande do Norte/RN, em seu Capítulo VIII, trata da Segurança Pública, e o seu artigo 90, I e II, diz tal atribuição ser dever do Estado e assim como um direito de todos é também uma responsabilidade, verbis:
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RN 1989
Art. 90. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – Polícia Civil;
II – Polícia Militar.
Perceba-se que a Constituição Estadual, bem como a Federal27, atribui a Segurança pública aos órgãos da polícia, seja civil ou militar, entretanto, mister se faz relatar que alguns doutrinadores, dentre eles Guilherme de Souza Nucci – em seu livro intitulado ―Direitos Humanos Versus Segurança Pública‖, chama atenção para o mesmo artigo que conferiu a competência em comento às polícias, para o seguinte fato: a responsabilidade também é imputada à todos, portanto, nada mais justo, do que atribuí-la aos órgãos vinculados à Justiça Criminal.
A propósito, as supramencionadas ações encarregadas de concederem respostas eficazes a resguardar a segurança pública consistem, dentre outras medidas, na elaboração de leis acertadamente propícias, válidas e integradas às demais normatizações acerca do tema em comento, para que dessa maneira tenha um sistema jurídico coeso, subsidiando, assim, as tomadas de decisões mais apropriadas para a garantia da paz pública.
Toda lei que não é forte por si mesma, toda lei cuja execução pode ser impedida em certas circunstâncias, jamais deveria ser promulgada. A opinião, que governa os espíritos, obedece as impressões lentas e indiretas
III – polícia ferroviária federal;
IV – polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI – polícias penais federal, estaduais e distrital. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019)
que o legislador sabe dar-les; registe, porém, aos seus esforços, quando são violentos e diretos, e as leis inúteis, que logo são desprezadas, comunicam seu aviltramento às leis mais salutares, que costumam ser vistas antes como obstáculos a vencer do que como a salvaguarda da tranquilidade pública (BECCARIA, 2015, pág. 90).
Sem embargo de tudo o que já foi dito, é mister que se esclareça, por derradeiro, que o crime organizado é uma ameaça direta e constante à segurança pública estatal, isso porque essas organizações, as quais nas falas de Nucci se organizam em formas de empresas com objetivos ilícitos, representando um peso para o estado, bem como para a sociedade (2016, pág. 102), ferem o corolário maior da CF/88, a Dignidade da Pessoa Humana, principio constitucional do qual originam-se todos os outros no ordenamento pátrio brasileiro.
Além disso, o crime organizado se infiltra tanto na vida dos indivíduos, enquanto ser social, quanto na própria administração pública, utilizando a máquina estatal a seu favor. Dito isso, fica evidente a urgência de uma concatenação entre os órgãos, em latu sensu, para a implementação de uma política de segurança pública aplicável a cada realidade territorial para que dê uma resposta satisfatória, sobretudo, no que diz respeito ao combate ao crime organizado.
4.2.O ENFRENTAMENTO ÀS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS PELO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE/RN
Impede notar, em primeiro lugar, que um problema generalizado, do qual padece todos os poderes executivos estatais brasileiros, é subestimar a periculosidade e a perenidade das organizações criminosas, as quais estão irrompendo-se. Dessa forma, a inércia em dar uma resposta é tão grande, que quando o Estado reconhece a existência de uma ORCRIM, ela já está tão bem estruturada, que a sua desarticulação fica infindavelmente mais complicada.
Obviamente que com o estado do RN não seria diferente, o que fica evidente na matéria de Robson Bonin, publicada na Veja, em 2016, relatando que o Ministério Público do mencionado estado havia constatado, apenas em 2015, a existência da facção criminosa originada na Penitenciária Estadual de Parnamirim/RN – PEP, muito embora tenha decorrido um lapso temporal de 2 (dois) anos que a referida facção existia, segundo o seu estatuto, isso se desprezar a estória, a qual mostra que a mesma nasceu de fato no ano anterior, 2012, aumentando, assim, a inércia dos órgãos estaduais competentes à combater e prevenir o crime organizado em 1 (um) ano, o que resulta, no final das contas, em um período de 3 (três) anos de estruturação para o Sindicato do Crime sem se preocupar com as investidas do Estado.
Resultado da incapacidade dos governos de controlar o sistema prisional país afora, a onda de terror disseminada no Rio Grande do Norte por facções organizadas nas penitenciárias era um risco conhecido das autoridades potiguares há pelo um ano. Uma investigação do Ministério Público do Rio Grande do Norte concluída no ano passado revelou que uma nova e poderosa facção criminosa, o Sindicato do Crime (BONIN, 2016)
Pelos motivos exposto anteriormente, dentre outros, é que se torna tão difícil desarticular uma ORCRIM, porém não é impossível e o Estado do Rio Grande do Norte, principalmente através da Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social – SESED, da Polícia Civil, por meio da Divisão Especializada Em Investigação e Combate Ao Crime Organizado – DEICOR, dos Ministérios Púbicos Estadual e Federal, respectivamente representados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – GAECO/MPRN e Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – GAECO-MPF/RN, está sempre realizando operações, articulações, parceiras, enfim, está emprenhado em desenvolver essa missão da melhor forma possível.
Vale acrescentar que os mencionados grupos de investigação, contam durante as operações com o auxílio indispensável dos grupos especializados das Policias Militar e Federal, quando necessário socorre-se, ainda, às Forças Armadas e Nacional. Relevante deixar claro que o Estado possui toda uma estrutura capaz de, parafraseando Timóteo (4:7), combater um bom combate, o que falta, muitas vezes, como bem pontuou e já foi citado, em ocasião da introdução, o Procurador Dr. Ronaldo Sérgio, são os governantes passarem a tratar a política de segurança pública como prioridade, rompendo, assim, com um histórico de descaso que parece interminável. Nesse passo é importante conhecer minimamente cada órgão anteriormente mencionado.
A Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social – SESED do Governo do Estado do Rio Grande do Norte é dirigida atualmente por Francisco Canindé de Araújo Silva. É essa secretaria que programa, chefia, comanda, dirigi e orienta os serviços tanto de polícia, quanto de segurança pública do Estado, podendo executar ainda atividade de polícia administrativa e/ou ostensiva.
Subordinada à SESED, vinculada à Delegacia-Geral da Polícia Civil e integrado ao Setor de Inteligência, tem-se a Divisão Especializada Em Investigação e Combate Ao Crime Organizado – DEICOR. À essa Divisão Especializada compete: a) investigar o crime organizado; b) reunir informações para subsidiar um planejamento estratégico no combate ao crime organizado; c) utilizar as ações recebidas do Setor de inteligência para atuar e repreender o crime organizado; e d) instaurar e presidir inquéritos policiais correlatos às ORCIMs. Como se pode atestar abaixo essa atribuição vem sendo desempenhada gloriosamente.
A Divisão Especializada Em Investigação e Combate ao Crime Organizado
(Deicor), vinculada à Polícia Civil do Rio Grande do Norte, apresentou um
aumento no números (sic) de investigados presos e armas apreendidas nos
oito primeiros meses de 2021 em comparação ao mesmo período de 2020.
As prisões cresceram 50% (salto de 63 para 95) e as apreensões de arma
de fogo, incluindo fuzis, aumentaram em 40% (de 25 para 35 armamentos
apreendidos) (TRIBUNA DO NORTE, 2021).
A DEICOR, como fica evidente, faz parte do Poder Executivo. Já o Ministério Público Estadual é uma instituição, cujas funções são essenciais à justiça, não pertencendo a nenhum dos três poderes, qualidade, por conseguinte, transferida ao GAECO/MPRN. Todavia, a Constituição Federal em seu artigo 129, VII, encarregou-se de estabelecer uma relação de fiscalização do Ministério Público para com a Polícia, verbis:
Constituição Federal de 1988
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
[…]
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
[…]
VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior.
Entretanto, o inciso II, do supramencionado artigo, concede ao MP poderes que vão além de fiscalizar, haja vista lhe é atribuída ainda a incumbência de garantir tanto o efetivo respeito aos Poderes Públicos e aos serviços de relevância pública, quanto garantir a todos os direitos constitucionais, dentre os quais está inserida a segurança pública.
A mesma Carta Magna dispõe no Art. 144, que as polícias devem exercer a segurança púbica, com o fito de manutenção da ordem pública e da proteção das pessoas e dos bens.
Constituição Federal de 1988
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
[…]
Desse modo é evidente o porquê da parceria entre a DEICOR e o GAECO/MPRN, uma vez que os dois nutrem o mesmo propósito, visando a segurança pública, sob os princípios e garantias constitucionais.
O GAECO/MPRN é responsável pelas investigações e atividades objetivando combater o crime organizado, bem como o controle externo das atividades policiais. Em 2019 foi criado um GAECO/MPRN no Seridó, com sede em Caicó, em seu primeiro ano de atuação já se pôde constatar a intensificação no combate ao crime organizado na região, trazendo benefícios inestimáveis à população.
O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco)
do Seridó completa nesta quinta-feira (4) um ano de criação. O órgão do
Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) foi instituído com o
objetivo de intensificar o combate à criminalidade organizada na região do
Seridó potiguar. “E esse objetivo traçado vem sendo alcançado. Prova disso
é que oito operações realizadas tiveram o apoio logístico e de inteligência
do Gaeco do Seridó nesse curto espaço de tempo. Outras investigações
estão sendo tocadas e os frutos disso são sempre favoráveis à sociedade”,
falou o procurador-geral de Justiça, Eudo Rodrigues Leite. Além das
operações, o Gaeco do Seridó também produziu 55 relatórios nesse
primeiro ano de funcionamento. Esse resultado só foi possível graças a uma
política de parceria e compartilhamento de informações com outros órgãos.
“Buscamos, de forma responsável e articulada, nos aproximar de outros
órgãos e instituições que combatem a criminalidade. Trabalhamos com
inteligência para atuar fortemente contra o crime organizado”, comentou o
coordenador do Gaeco, o promotor de Justiça Fausto França (AMPERN,
2020).
No âmbito do Ministério Público Federal – MPF, os GAECOS foram criados em 2013, contudo sua implantação começou em 2020 em alguns Estados, o RN, por seu turno, teve criada a Comissão Provisória que institui o GAECO-MPF/RN no ano de 2021, a qual deveria permanecer até 31 de dezembro de 2021, conforme Portaria da PGR/MPF nº 431, de 20 de julho de 2021.
A medida se fazia necessária, haja vista, sobretudo, existir uma Penitenciária de Segurança Máxima no Estado, Penitenciária Federal de Mossoró – PFEMOS, e por ter a CF/88 em seu art. 144, § 1º, II, atribuído à Polícia Federal – PF a competência de ―prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins‖, principal atividade das ORCRIMs, necessitando a PF desse apoio incomensurável, que o GAECO-MPF/RN está lhe proporcionando.
Quanto às ações desses órgãos no enfrentamento ao crime organizado, em primeiro lugar, mister faz-se anotar a medida sine qua non adotada pela SESED após o Massacre de Alcaçuz para controlar os estabelecimentos penais, a nomeação de Luís Mauro Albuquerque como titular da pasta penitenciária no RN. Isso porque ele foi o responsável por alterar os procedimentos das unidades penais, combatendo, principalmente, a entrada de celulares e drogas na prisão, dificultando, dessa maneira, a articulação das ORCRIMs.
Como os escritórios das organizações criminosas estão dentro dos presídios, ou seja, como as ordens para cometerem os crimes saem justamente de onde estava acontecendo a guerra, no caso da Rebelião em Alcaçuz, isso refletiu diretamente na ordem pública e na incolumidade das pessoas e dos bens de quem estava além dos muros daquela Penitenciária. Em síntese, a segurança pública do estado estava em colapso.
Ivo Freire, diretor do pavilhão 5 à época, atribui o Massacre em Alcaçuz ao colapso do Sistema Prisional em 2017, entretanto, acredita que hoje o Estado está preparado para conter esse tipo de investida dos criminosas, assim como os seus agentes de segurança pública, os quais foram treinados para tal, acrescentando, ainda, que nos dias atuais, seria impossível acontecer o que houve em 2017. Veja se na íntegra:
Podemos considerar que ali foi a falência do Sistema Prisional do RN. Mas
hoje temos pessoal mais treinado, procedimento operacional padrão para
que a gente consiga atuar. Então, pra mim, atualmente é impossível
acontecer o mesmo que em 2017 (OLIVEIRA, 2021)
Não obstante, entrementes, decorridos mais de quatro anos do acontecido, apesar de possuir um inquérito policial com mais de duas mil páginas indiciando 206 (duzentos e seis) pessoas, pelos crimes de homicídio e falso testemunho, até a presente data, não foi apresentada denúncia pelo Ministério Público.
Essa lentidão do sistema acusatório brasileiro gera uma sensação de impunidade, enviando a mensagem para o criminoso de que ele pode infringir as leis, pois não será responsabilizado por isso, e ao cidadão, que depende do Estado para tutelar a sua segurança, resta a revolta de não ter seus direitos garantidos adequadamente pelo Estado.
Voltando a 2017, no entanto, não mais ao episódio da Penitenciária Estadual Dr. Francisco Nogueira Fernandes, mas sim a paralização das polícias militares, civis e do corpo de bombeiros.
As forças de segurança, que estavam com o salário atrasado, decidiram paralisar as suas atividades em 19 de dezembro de 2017, movimento que intitularam ―Segurança com segurança‖, para reivindicar o pagamento do mesmo, além de reclamar por viaturas, material de proteção e amas em condição adequadas de uso.
Com a paralisação das forças de segurança estadual, o Governo do Estado pediu auxílio ao Governo Federal, que enviou a Força Nacional para intervir na segurança do Estado, que apesar de ter o pedido atendido, não foi suficiente, tendo em vista que nos 4 (quatro) dias de paralisação foram registrados 250 crimes apenas na grande Natal.
A propósito, é relevante chamar a atenção para os 2400 homicídios que aconteceram no Estado no ano de 2017. Esse número elevado de homicídios deve se, sobretudo, aos dois acontecimentos descritos acima, Massacre de Alcaçuz e paralização das forças de segurança. Esses acontecimentos foram um campo fértil para atuação das facções criminosas, que iniciaram e findaram o ano fazendo o que bem sabem, dissipar a paz social e infringir direitos fundamentais.
Tocantemente, ainda, ao tema versado, e por derradeiro, em setembro de 2021, a DEICOR identificou uma divisão na facção Sindicato do RN. Parte dos faccionados não concordava com o posicionamento do Conselho e da Final, reivindicavam por mais liberdade para cometer crimes, em contrapartida a outra parte acreditava que pequenos roubos atrairia a polícia, atrapalhando o tráfico de drogas. O resultado dessa discordância foi uma onda de crimes durante três dias consecutivos e a prisão do ―dono do morro‖ de Mãe Luiza, Siê, no Rio de Janeiro/RN, após denúncias.
Roubos e furtos de carros, inclusive a mão armada, perseguição policial
com capotamento e o assassinato de um policial militar da reserva são
algumas das ocorrências dos últimos três dias que têm acendido o alerta na
segurança da capital potiguar. Isso porque o pano de fundo destes crimes
pode ser disputa pelo poder dentro da facção Sindicato do Crime, cujos
membros estão divergindo sobre a forma de agir. O racha foi identificado
pela Divisão de Combate ao Crime Organizado (Deicor) e a Secretaria
Estadual de Segurança Pública e Defesa Social (Sesed/RN) informou que
está aumentando o efetivo para prevenir novas ocorrências. O secretário da
Sesed, coronel Francisco Araújo, disse que ainda não é possível afirmar a
relação entre a crise interna da organização criminosa e a sequência de
atos criminosos. “Só uma investigação minuciosa das delegacias
especializadas com o Ministério Público é que, no final, poderá dizer. Já
está em andamento, inclusive com as Forças Tarefa da Polícia Federal”,
declarou o coronel Francisco Araújo. Segundo ele, todas as ações de
investigação com caráter mais específico estão a cargo da Deicor e do
Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do
MPRN). “Eles é que podem dizer o que pode ser tornado público. Já
tivemos reuniões com eles interagindo, trocando informações para tomar as
medidas adequadas”, informou o secretário (CARVALHO, 2021).
Em virtude do ocorrido, a SESED aumentou o policiamento nas ruas de Natal e a DEICOR, o GAECO e a Polícia Federal trabalham em conjunto para angariar informações que subsidiem antever fatos como os mencionados para evita los e, sobretudo, que desarticulem o crime organizado.
Por outro lado, delineia-se oportuno relatar que quase três meses após a entrevista supracitada, em que o Secretário de Segurança Coronel Francisco Araújo diz que a situação do Estado voltara ao normal, os jornais noticiam que, de acordo com a DEICOR, a aliança entre dois chefes de facção e aumento da violência no Estado foi favorecida, de certa forma, pelos Órgãos de Segurança Pública, quando colocaram ―Nem da Abolição‖ e ―Siê de Mãe Luiza‖ para cumprirem pena no mesmo estabelecimento penal.
É óbvio, pois, que lideranças de organizações criminosas devem ser mantidas isoladas não apenas da massa carcerária, mas, sobretudo, umas das outras, evitando que aconteçam alianças como no caso supramencionado ou, até mesmo, aumento de rivalidade entre elas, fato é que nos dois casos há derramamento de sangue, a partir de vidas ceifadas, dano e subtração do patrimônio alheio, agravamento da saúde pública com crescimento da drogadição, dentre tantos outros prejuízos, que devem ser evitados a todo custo.
Essa negligência da Segurança Pública do RN poderia ter sido evitada, tendo em vista que em ocasião da 6.ª fase da ―Operação 1814‖38, que aconteceu em agosto de 2021, comandada pela DEICOR, a SESED tomou ciência da existência de uma relação entre esses dois faccionados, em que Nem fornecia drogas, mesmo estando preso, para Siê, que comandava, dentre outras comunidades, o Morro de Mãe Luiza.
Do mesmo modo, outras questões são deixadas de lado, como, por exemplo, a valorização do profissional da segurança pública por parte da própria Secretaria do Estado de Segurança Pública e Defesa Social. Prova disso é o fato de um policial militar ser punido com prisão de três dias, por ter preso em flagrante, durante a sua folga, um delinquente que furtava fios. É verdade que após a repercussão negativa do fato, a punição foi anulada, mas o PM já tinha passado por todo o constrangimento.
De outra parte, não se pode negar que a qualidade dos serviços prestados de segurança pública no Estado não pode ser medida apenas por deslizes como o descrito acima. Nos últimos quatro anos tem havido um reforço considerável no quadro de pessoal com a realização de concursos públicos. Em 2017, por exemplo, houve certame para agente penitenciário, no ano de 2020 foram convocados mais de mil policiais militares e no ano seguinte houve o certame da polícia civil, para o preenchimento dos cargos de delegado, escrivão e agente. Acontecendo, dessa maneira, um aumento dos agentes das forças de segurança pública do estado.
Fato é que, apesar de as mortes violentas terem crescido no estado em 202140, segundo dados trazidos pela Tribuna do Norte, tem havido redução dos homicídios no Estado se comparados os ocorridos de janeiro a julho de 2021 com os acontecidos entre os mesmos meses de 2022. ―Nos crimes de homicídio doloso, a queda é de 497 ocorrências em 2021 para 422 ocorrências em 2022. Quanto aos latrocínios, a redução é de 31 casos em 2021 para 8 casos em 2022 […]” (TRIBUNA DO NORTE, 2022).
Entretanto, a nível nacional também houve uma redução de 7% nos índices de homicídio se comparados os anos de 2020 e 2021. O Presidente da República atribui essa redução ao acesso à arma de fogo pela população. Logo, não se pode precisar se realmente a redução dos homicídios no estado refere-se à atuação da sua política de segurança pública ou se apenas acompanha o índice nacional, ou, ainda, se seriam os dois fatores somados.
A vista do até aqui exposto, a segurança pública do estado é desafiada a estar sempre inovando e buscando maneiras de combater o crime organizado. Um exemplo é o ingresso, no início de 2021, do estado do Rio Grande do Norte/RN no Programa Nacional de Segurança nas Fronteiras e Divisas. ―O VIGIA, projeto estratégico do Ministério da Justiça e Segurança Pública, atua em três eixos: operações, capacitações e aquisições de equipamentos e sistemas (Ministério da Justiça e Segurança Pública, 15/04/2021).Ao todo são 15 estados participantes, entretanto, da Região Nordeste apenas o RN e o CE integram o V.I.G.I.A.
Por meio da operação HÓRUS, do programa supramencionado, V.I.G.I.A., a DEICOR em conjunto com os Policiais Penais do Presídio Estadual Rogério Coutinho Madruga, desbarataram, no final de junho de 2022, um esquema, no qual as lideranças das ORCRIMs enviavam ordens por intermédio de advogados, que faziam a entrega dos bilhetes com as diretrizes a serem seguidas por seus faccionados.
Medidas como essas são de suma importância para se ter êxito na desarticulação dos crimes organizados, uma vez que, nas palavras de Douglas Fischer, as organizações criminosas são muito articuladas e cada agente da ORCRIM conhece e tem ligação, se reportando, a no máximo dois níveis acima da pirâmide, de modo que fica complicada a produção probatória da imputação dos crimes, pois as pessoas que executam, não são as mesmas que mandam e umas não conhecem as demais (DOUGLAS FISCHER apud GZH, 2017).
Outrossim, para desarticular as ORCRIMs, de acordo com Barbosa, deve-se a) isolar as lideranças, impedindo que elas se comuniquem com os demais faccionados, sendo necessário para tanto, impedir a entrada de celulares nos presídios, como bem fez Luís Mauro Albuquerque; b) identificar as contas bancárias e os responsáveis pelas movimentação financeira; c) apreender as armas em posse das facções; d) impedir o recrutamento dos jovens nas comunidades, investindo em escolas públicas, as quais já qualifiquem os seus egressos para o mercado de trabalho, com cursos profissionalizantes e técnicos; e, e) sobretudo, o Estado deve se fazer presente diuturnamente nas comunidades, mediando conflitos, prevenindo violação aos direitos individuais, coletivos e sociais, e punindo quando violados, prestando assistência jurídica, social, à saúde, dentre todas as outras obrigações, que são usurpadas pelo crime organizado (2019, págs. 182/185).
Anota-se por fim, que tão importante quanto desarticular organizações criminosas é combater o seu advento, contudo havendo a sua eclosão deve o Estado intervir dando uma resposta satisfatória, de modo que garanta a segurança pública.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estado do Rio Grande do Norte apresenta altos índices de criminalidade e, como se pode inferir diante que foi exposto anteriormente, esse fator está relacionado, dentre outras coisas, porém mais incisivamente, às facções criminosas SDR e PCC e a sua guerra pelo domínio de território e do mercado do tráfico de drogas.
Apesar de o SDR ocupar maior parte do território do RN e ter quase 5 (cinco) vezes mais faccionados do que a facção paulista, o PCC é uma organização extremamente organizada e estruturada, possuindo filiais inclusive em outros países, dispondo, dessa forma, de um grade poder de destruição. Dito isso, fica evidente a
equiparação na força das facções, que guerrilham diuturnamente. Ao Estado, por meio de suas forças de segurança e seus órgãos de defesa da constituição e da sociedade, assim como à União, e aos outros dois poderes, legislativo e judiciário, cabem se unir no combate às ORCIMs, para que, dessa maneira, a segurança pública seja assegurada a todos.
Percebeu-se que existe no Estado do RN essa articulação entre os órgãos e os agentes de segurança pública, tendo em vista que ou estão compartilhando informações ou estão trabalhando em conjunto. Vislumbrou-se que os agentes de segurança pública do estado realizam o que está ao seu alcance para desarticular as facções criminosas. Entretanto, esse problema não diz respeito apenas aos agentes da segurança pública, mas, sobretudo, aos governantes, que são os gestores da Política de Segurança.
Primeiro, como foi mencionado em outra ocasião, o ideal é impedir que as facções surjam, pois depois que elas se estruturam fica difícil combatê-las. Segundo,
no entrave com o crime organizado, nas pacificações de comunidades, por exemplo, não adianta expulsar as facções, se o estado não se fizer presente todos os dias, o dia todo, em forma de escola, de serviços de saúde, de acesso à justiça e todos os órgãos públicos que oferecem serviços que garantam a dignidade da pessoa humana.
Assim sendo, deve-se continuar reprimindo o crime organizado, não há dúvidas quanto a isso, entretanto, necessita-se de um Plano de Ação Articulado de Prevenção ao Crime Organizado em Conjunto entre a Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Pessoal e a Secretaria do Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer.
Esse plano criaria programas e projetos, os quais seriam responsáveis pela escolarização e profissionalização, bem como a inserção dos jovens nos esportes. As escolas deveriam ser instaladas dentro das comunidades, em tempo integral, para que as crianças e adolescentes não tivessem tempo ocioso e fossem cooptados pelas organizações criminosas46, para ―trabalhar‖ no tráfico de drogas, ou até mesmo ser usuário, ou cometer outros ilícitos penais.
Outro ponto importante a ser sugerido, o qual poderá ser utilizado tanto para prevenir o surgimento das ORCIMs, quanto para combatê-las, é o investimento em inteligência de segurança47. Pode-se, também, aproveitar as informações fidedignas, colhidas nos inquéritos policiais, mas que não se consegue provar por meio que o direito admita e, portanto, não poderão ser utilizadas no inquérito e nem na futura ação penal, para criar estratégias de combate ao crime organizado.
Seguindo o modelo da ―Operação Mãos Limpas‖, ocorrida na Itália, em 1992, com o intuito de desarticular organizações criminosas inseridas na política e na vida administrativa de Milão, aconteceu a ―Operação Laja Jato‖ em nosso país. Acontece que os Poderes executivo e Judiciário, bem como o MP, deveriam se unir e criar uma operação dessa estirpe no Estado do RN, para ir à raiz da questão, descobrindo e punindo os verdadeiros líderes das organizações criminosas dominantes do Estado.
Somente prendendo os responsáveis pelas transações milionárias enviadas para o exterior, os responsáveis por negociar a compra e venda em grande escala de armamentos e drogas, somente tirando de ação quem realmente faz a facção funcionar que será possível desarticular uma ORCRIM e não, simplesmente, prendendo os soldados do crime, facilmente substituíveis.
A fortiori, constata-se que após os acontecimentos no Estado em 2017, algumas questões que envolvem as políticas públicas relacionadas à Segurança Pública não estão mais sendo negligenciadas pelo Poder Executivo do Estado, como é o caso do déficit de pessoal nos quadros da SESED.
Todavia, outras questões são deixadas de lado, como, por exemplo, a valorização do profissional da segurança pública por parte da própria Secretaria do Estado de Segurança Pública e Defesa Social. Prova disso é o fato do policial militar que foi punido com prisão de três dias, por ter preso em flagrante, durante a sua folga, um delinquente que furtava fios.
Deduz-se, então, que a atenção dispensada, assim como os resultados alcançados, ainda está aquém do ideal para proteger o seu bem jurídico em questão, a paz, conquanto, não se pode resolver décadas de negligência em apenas 5 (cinco) anos. Logo, conclui-se que o Estado do Rio Grande do Norte/RN, mesmo que a lentos passos, cumpre com o que preconiza o artigo 144 da Carta Magna, quanto à preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio de suas forças e políticas de segurança pública no enfrentamento ao crime organizado.
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