A BUSCA PESSOAL E DOMICILIAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO  BRASILEIRO: QUESTÕES JURISPRUDENCIAIS, LEGAIS E DOUTRINÁRIAS

Atualmente, há uma discussão sobre a busca pessoal realizada por policiais militares durante as abordagens policiais. Esse artigo citará sobre.
Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Ciências Penais e Segurança Pública realizado pelo aluno Alexandre Gomes Arantes Teles no ano de 2022.

RESUMO
Atualmente, há uma discussão sobre a busca pessoal realizada por policiais militares durante as abordagens policiais. Antes de entrar nessa discussão, o artigo analisa a busca pessoal processual considerando as disposições do Código de Processo Penal, da Jurisprudência e da Doutrina, levando-se em consideração, ainda, a perspectiva do garantismo constitucional e o princípio da proporcionalidade. Em seguida, faz-se uma diferenciação entre a busca pessoal processual (meio de obtenção de prova) da busca pessoal administrativa (ou preventiva), este último como corolário do Poder de Polícia da Administração Pública, expondo os elementos que caracterizam uma e outra. Robustecendo a investigação, procurou-se apontar as problemáticas advindas do “transplante jurídico” de elementos do Direito Norte-Americano sem considerar as características do sistema receptor (ordenamento brasileiro). Por fim, completando a investigação, procurou-se verificar os pressupostos e os limites da busca domiciliar.

INTRODUÇÃO 

Atualmente, um campo de estudo de que provoca bastante debates no  Processo Penal é aquele atinente as buscas pessoal e domiciliar. Nesse sentido, o  presente trabalho pretende explorar a natureza jurídica dessas buscas, as hipóteses  de sua aplicação, as possíveis causas de ilegalidade ou nulidade, considerando,  também, a doutrina e a jurisprudência e as disposições da própria Lei. 

Para emprestar robustez à pesquisa, sobretudo no que diz respeito a busca  pessoal processual, analisar-se-á a referida medida frente ao princípio da  proporcionalidade e do paradigma garantista. 

Também, busca-se estabelecer uma diferenciação entre a busca pessoal  prevista no Código de Processo Penal daquela busca pessoal realizada pelas polícias  militares quando de suas atividades de fiscalização, a qual a doutrina chama de “busca  pessoal preventiva”, contudo, como explicaremos, preferimos a expressão “busca  pessoal administrativa”. 

Para isso, consolidar essa diferenciação, procurar-se-á a verificar possíveis lacunas legais e qual o entendimento dos tribunais superiores quanto a essa temática,  utilizando-se, ainda, de elementos advindos da doutrina, sobretudo daquela parcela  da doutrina que se dedica ao estudo da segurança pública, dada a relação umbilical  entre o tema da segurança pública e da busca pessoal. 

Por fim, apontou-se os pressupostos e limites da busca domiciliar,  considerando os conceitos jurídicos de domicilio e de dia, os quais são objeto de  constante debate doutrinário.

2. DA BUSCA PESSOAL PROCESSUAL 

A definição de busca pessoal não vem veiculada pelo Código, o que gera  alguns problemas. Referido instituto está previsto no Código de Processo Penal (CPP)  no Título VII, da Prova, o que abre caminho para se verificar se tal busca seria uma  prova ou outro elemento. Por isso, são importantes as considerações de Renato  Brasileiro: 

A expressão fonte de prova é utilizada para designar pessoas ou coisas das  quais se consegue a prova, dai resultando a classificação em fontes pessoais  (ofendido, peritos, acusado, testemunhas) e fontes reais (documentos, em  sentido amplo). […].

Por sua vez, meios de prova são os instrumentos através dos quais as fontes  de prova são introduzidas no processo. […]. 

Por fim, os meios de investigação da prova (ou de obtenção da prova) referem-se a certos procedimentos (em regra, extraprocessuais) regulados por lei, com o objetivo de conseguir provas materiais, e que podem ser realizados por outros funcionários que não o juiz. [grifos nossos]. 

Ora, mas e quanto ao elemento de prova e ao indício? Pois bem, Indício “É  um fato ligado ao crime que indica e aponta o possível autor. Um sinal demonstrativo  do crime e da autoria.”3, ao passo que elemento de prova, “[…] são todos os dados  objetivos que confirmam ou negam uma asserção a respeito de um fato que interessa  à decisão da causa.”4 

O Código de Processo Penal (CPP), quando regulou a busca pessoal, limitou se a afirmar que “Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de  que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e  letra h do parágrafo anterior.” (art. 240, §2º), especificando que “A busca pessoal  independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de  que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que  constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca  domiciliar” (art. 244), mas nada definiu sobre o conceito em si, restando à doutrina e  jurisprudência a definição de sua natureza jurídica. 

Filiamo-nos a concepção de que a busca pessoal é um meio de obtenção de  prova e não uma prova, um indício, uma fonte de prova ou meio de prova. Isso porque sua finalidade é a obtenção de prova de materialidade (em  realidade, de elementos de cognição que demonstrem a materialidade, já que prova  só existirá depois do efetivo contraditório). Nesse sentido, a busca pessoal não pode  ser prova porquanto não há prova sem a sua submissão ao contraditório e também  não pode ser elemento de cognição, já que o elemento de cognição é um elemento  ligado ao fato, ao passo que a busca pessoal é um procedimento. Pela mesma razão,  inviável de se conceber a busca pessoal como um indício. 

²LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo penal: volume único. 9. ed. rev., ampl. e atual.  Salvador: Ed. JusPodivm, 2021. Págs. 560 e 561 

³ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7. ed. rev. e atual. São  Paulo: Saraiva, 2006, p.331 

⁴LIMA, Op. cit., p. 559

Também não pode ser fonte de prova, já que fonte de prova é de onde se  extrai a prova, sendo seu instrumento o meio de obtenção de prova, que agirá sobre  a fonte de prova.  

Igualmente, não pode ser meio de prova, porquanto a busca pessoal não  chega a ser materializada dentro do processo, isto é, não é possível “embutir” dentro  do processo uma busca pessoal, mas apenas e tão somente os elementos de prova  e os indícios adquiridos com tal técnica, isto é, adquiridos da fonte de prova. 

Por isso, a busca pessoal é meio de obtenção de prova, já que se trata de  uma técnica, um método para obtenção de elementos de prova ou de indícios, que  são retirados das fontes de prova (que, por sua vez, podem ser documentos,  testemunhas, instrumentos, etc.). 

Ainda sobre a busca pessoal processual, o Código estabelece que ela realizada com ou sem mandado judicial, e pode ocorrer para: apreender coisas  achadas ou obtidas por meios criminosos, instrumentos de falsificação ou de  contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos, armas e munições, instrumentos  utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso, objetos necessários à  prova de infração ou à defesa do réu, cartas, abertas ou não (destinadas ao acusado  ou em seu poder quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa  ser útil à elucidação do fato), para apreender vítimas de crimes ou, ainda, colher  qualquer elemento de convicção.  

Essa medida independerá de mandado quando for o caso de prisão ou  quando houver fundada suspeita5 de que porte arma proibida ou de objetos ou papéis  que constituam corpo de delito. Também independerá de mandado quando a medida  for determinada no curso de busca domiciliar, é dizer, ainda que não conste do  Mandado Judicial. 

Ora, mas e se a busca domiciliar se der nas hipóteses excetuadas pela  Constituição, é dizer, em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro,  poderia se proceder em uma busca pessoal, independentemente de mandado? Nesse  caso, não há dúvidas que em caso de prisão, sim, porquanto a própria Lei faz essa  anotação.

No entanto, deve-se tomar o cuidado para não transformar a referida medida  naquilo que a doutrina norte-americana chama de Fishing Expedition, conforme  entendimento do Superior Tribunal de Justiça:  

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS, PORTE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E RESISTÊNCIA. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. DESVIO DE FINALIDADE E FISHING EXPEDITION. NULIDADE PARCIAL DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

[…].

4. É ilícita a prova colhida em caso de desvio de finalidade após o ingresso em domicílio, seja no cumprimento de mandado de prisão ou de busca e apreensão expedido pelo Poder Judiciário, seja na hipótese de ingresso sem prévia autorização judicial, como ocorre em situação de flagrante delito. O
agente responsável pela diligência deve sempre se ater aos limites do escopo – vinculado à justa causa – para o qual excepcionalmente se restringiu o direito fundamental à intimidade, ressalvada a possibilidade de encontro fortuito de provas.

5. Admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade.

6. No caso dos autos, o ingresso no domicílio do acusado foi justificado com base na alegação dos policiais de que, em patrulhamento de rotina, avistaram o réu com um volume na cintura que aparentava ser uma arma de fogo, razão pela qual decidiram abordá-lo, mas ele demonstrou nervosismo e se evadiu da guarnição para o interior da residência. Perseguido e capturado o réu, constatou-se que, de fato, ele portava uma arma de fogo municiada na cintura. Depois disso, os policiais soltaram cães farejadores na residência do recorrente e passaram a fazer uma varredura minuciosa à procura de drogas,
oportunidade em que encontraram, dentro de uma mochila em um guarda
roupas, 518 gramas de cocaína e uma balança de precisão; ainda, no fundo
falso de uma gaveta apreenderam mais R$ 7.000,00 em dinheiro e uma caderneta com anotações do tráfico.


7. Ao menos para perseguir e capturar o recorrente no interior do imóvel, havia justa causa amparando a ação dos agentes de segurança. Com efeito, segundo assentaram as instâncias de origem, além de o réu haver demonstrado nervosismo ao avistar a guarnição policial e haver fugido dos agentes, eles afirmaram que viram um volume na cintura do acusado que aparentava ser uma arma de fogo (o que se confirmou ao final), de modo que tinham fundadas razões para acreditar estar configurada situação de flagrante delito para ingressar no domicílio em perseguição ao réu a fim de apreender a arma. Isso, todavia, não significa que, uma vez concluído o propósito que legitimou excepcionalmente o ingresso domiciliar, estivessem os militares autorizados a fazer uma varredura na residência do acusado, com o auxílio de cães farejadores, à procura de drogas, porquanto já havia sido cumprida a finalidade da diligência invasiva.


8. Na espécie, fica evidente o desvio quanto à finalidade que ensejou o
ingresso no domicílio do réu, porquanto a justa causa se relacionava
exclusivamente ao porte de uma arma de fogo, a qual já havia sido
apreendida – junto com o carregador e as munições – tão logo o recorrente foi capturado e revistado. Ao soltar os cães farejadores na residência e vasculhar
seu interior minuciosamente, com o deliberado intento de procurar drogas
(não se tratou, portanto, de encontro fortuito), os policiais ultrapassaram
nitidamente o escopo da medida invasiva e, por isso, macularam a validade
das provas colhidas a partir do momento em que foram apreendidos a arma,
o carregador e as munições no corpo do réu.


9. Recurso parcialmente provido para o fim de reconhecer a ilicitude das provas colhidas no interior da residência do acusado, ressalvada, apenas, a
apreensão da arma de fogo, do carregador e das munições, os quais foram
localizados junto ao corpo do recorrente em revista pessoal dentro do
domicílio.


(RHC n. 165.982/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma,
julgado em 20/9/2022, DJe de 26/9/2022.). […]

Sobre o mérito deste julgado, faremos uma análise nas próximas seções. No  entanto, é importante consignar que aquelas provas que são obtidas em  desconformidade com a Lei devem ser desentranhadas dos autos, porquanto são  ilícitas, sendo inadmissíveis no processo por expresso mandamento constitucional  (art. 5º, inc. LVI). 

Como dissemos, a Busca Pessoal não vem definida no Código, o que pode  gerar confusão nos operadores do Direito e, por isso, é necessário diferenciar a busca  pessoal prevista no Código de Processo Penal da Busca Pessoal derivada do Poder  de Polícia da Administração Pública, que faremos na próxima seção primária. 

2.1 BUSCA PESSOAL, GARANTISMO E O PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE 

Ensina Noberto Bobbio que “as normas jurídicas não existem isoladamente,  mas sempre em um contexto de normas que guardam relações particulares entre si  […]. Esse contexto de normas costuma ser chamado de ‘ordenamento’”7. Tal contexto  de normas se organizam sistematicamente, de forma que 

[…] diz-se que um ordenamento jurídico constitui um sistema porque nesse  não podem coexistir normas incompatíveis. “Sistema aqui equivale a  validade do principio que exclui a incompatibilidade das normas. Se num  ordenamento surgirem normas incompatíveis, uma delas ou ambas devem  ser eliminadas. Se isso é verdade, quer dizer que as normas de um ordenamento têm uma certa relação entre si, e essa relação é a relação de  compatibilidade, que implica a exclusão de incompatibilidade.

 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Sexta Turma). Recurso Ordinário em Habeas Corpus Nº  165982/PR. Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 20 de set. de 2022. Disponível em:  https://scon.stj.jus.br/SCON/. Acesso em: 17 de dezembro de 2022. 

7 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Ari Marcelo Sólon. 2. Ed. São  Paulo: EDIPRO, 2014.p.37

Evidentemente que a “exclusão” de determinada norma deve ser feito em  relação a determinado caso concreto, sobretudo no campo dos direitos e garantias  fundamentais, os quais podem entrar em conflito, de forma que não se pode analisar  um instituto jurídico de forma a apenas considerar uma fração do ordenamento, é  dizer, há toda uma gama principiológica e de normas constitucionais e legais que  devem ser integralmente consideradas. 

Considerando o ordenamento de maneira integral surgem as aparentes  antinomias e os conflitos entre direitos fundamentais, os quais serão,  necessariamente, sanados – dada a característica sistêmica do ordenamento. No  entanto, o conflito entre direitos fundamentais não se resolve da mesma forma que  são resolvidas as antinomias legais ordinárias. Sobre essa resolução, Mendes e  Gonet Branco explicam o seguinte:

A Corte Constitucional alemã reconheceu, expressamente, que, “tendo em  vista a unidade da Constituição e a defesa da ordem global de valores por ela  pretendida, a colisão entre direitos individuais de terceiros e outros valores  jurídicos de hierarquia constitucional pode legitimar, em casos excepcionais,  a imposição de limitações a direitos individuais não submetidos  explicitamente a restrição legal expressa”

Ressalte-se, porém, que o Tribunal não se limita a proceder a uma  simplificada ponderação entre princípios conflitantes, atribuindo precedência ao de maior hierarquia ou significado. Até porque, como observado, dificilmente se logra estabelecer uma hierarquia precisa entre os diversos direitos fundamentais constitucionalmente contemplados682. Ao revés, no  juízo de ponderação indispensável entre os valores em conflito, contempla a  Corte as circunstâncias peculiares de cada caso. Daí afirmar–se, correntemente, que a solução desses conflitos há de se fazer mediante a utilização do recurso à concordância prática (praktische Konkordanz), de modo que cada um dos valores jurídicos em conflito ganhe realidade

Uma tentativa de sistematização da jurisprudência mostra que ela se orienta pelo estabelecimento de uma “ponderação de bens tendo em vista o caso concreto” (Guterabwägung im konkreten Fall), isto é, de uma ponderação que leve em conta todas as circunstâncias do caso em apreço (Abwägung aller Umstände des Einzelfalles), estabelecendo-se uma prevalência condicionada

Para Alexy, a ponderação realiza-se em três planos. No primeiro, há de se  definir a intensidade da intervenção. No segundo, trata-se de saber a  importância dos fundamentos justificadores da intervenção. No terceiro plano, então se realiza a ponderação em sentido específico e estrito. Alexy enfatiza que o postulado da proporcionalidade em sentido estrito pode ser formulado como uma “lei de ponderação” segundo a qual, “quanto mais  intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, mais significativos ou relevantes hão de ser os fundamentos justificadores dessa intervenção” 

Esse ideal de proporcionalidade, de ponderação, em muito se assemelha ao  garantismo – mas com ele não se confunde. O Estado Brasileiro possui uma  Constituição garantista, no sentido de que deve-se observar, além das normas de  proteção ao investigado, também as normas de proteção à Sociedade. 

Como se sabe, o garantismo é um modelo do estado de direito, sujeito à uma  Constituição e, sendo o atual paradigma constitucional o neoconstitucionalismo, o  garantismo se manifesta com a busca pelo cumprimento integral dos postulados de  uma Constituição calcada nos ideais do neocontitucionalismo, isto é, com o  cumprimento da Constituição de um estado social e democrático de direito.  

Ocorre que, a doutrina garantista é exposta, não raras vezes, de maneira  muito equivocada, no sentido de proteção exclusiva dos direitos fundamentais dos  investigados, o que gera a insatisfação de boa parcela da sociedade frente à crescente  criminalidade. É nesse sentido que o professor Douglas Fischer criou as expressões  “garantismo penal monocular e hiperbólico” versus “garantismo penal integral”. De  acordo com o professor: 

[…]. Em muitas situações, ainda há (pelo menos alguma) distorção dos reais pilares fundantes da doutrina de Luigi Ferrajoli (quiça pela compreensão não integral dos seus postulados). Daí que falamos, em nossa crítica, que se tem difundido um garantismo penal unicamente monocular e hiperbólico: evidencia-se: desproporcionalmente e de forma isolada (monocular) a  necessidade de proteção apenas dos direitos fundamentais individuais dos  cidadãos que se vêem investigados, processados ou condenados. Jamais  propusemos ou proporemos a desconsideração dos direitos fundamentais  individuais previstos na Constituição. Não é disso que se trata. Quer-se,  unicamente, uma visão sistêmica do Direito, para além de visualizar  exclusivamente direitos individuais.  

[…].  

Em nossa compreensão (integral) dos postulados garantistas, o Estado deve levar em conta que, na aplicação dos direitos fundamentais (individuais e sociais), há necessidade de garantir também ao cidadão a eficiência e segurança.  

Nesse momento do silogismo, é digno de nota que, também como imperativo constitucional (art. 144, caput, CF), o dever de garantir segurança (que se desdobra em direitos subjetivos individuais e coletivos) não está em apenas evitar condutas criminosas que atinjam direitos fundamentais de terceiros, mas também na devida apuração (com respeito aos direitos dos investigados ou processados) do ato ilícito e, em sendo o caso, da punição do responsável. 

  

Sendo o garantismo uma doutrina de integral proteção dos direitos  fundamentais de todos os seres humanos, inclusive os das vítimas, pode-se dizer que  o garantismo possui duas manifestações inseparáveis, uma positiva e outra negativa.  

O chamado garantismo positivo é aquele que implica em uma ação do Estado,  uma manifestação ativa, v.g. a adoção de medidas cautelares, ao passo que o  garantismo negativo é aquele que impõe um dever de abstenção por parte do Estado,  devendo o estado respeitar os direitos e garantias individuais fundamentais, v.g. nemo tenetur se detegere e a regra ser responder ao processo em liberdade. 

Em razão desse duplo perfil, o garantismo – como já mencionado – tem uma  grande semelhança com a dupla face do princípio da proporcionalidade  (untermassverbot – proibição de proteção deficiente – e ubermassverbot – proibição  do excesso), malgrado tal princípio não tenha sido utilizado pelo Professor Luigi  Ferrajoli –o mais importante expoente da tese garantista. 

Nessa toada, considerando a Constituição Brasileira como uma Constituição  garantista, sendo a segurança pública um direito fundamental de toda pessoa,  consoante disposição expressa na Constituição Federal (CRFB), direito este que,  inclusive, é essencial para a garantia de outros direitos, como o da vida, da liberdade,  o da propriedade, o do transporte, o do trabalho, o da saúde, dentre outros e sendo a  busca pessoal processual um instrumento importante da administração pública para a  consecução de seus fins, torna-se inviável a anulação massiva de processos sob o  argumento de que representaria violação à presunção de inocência (art. 5º, inc. LVII  da CRFB) e à intimidade do indivíduo (art. 5º, inc. X da CRFB), porque o caso se trata  de busca de equilíbrio entre direitos fundamentais. 

3. DA BUSCA PESSOAL ADMINISTRATIVA 

Como mencionado alhures, a busca pessoal do CPP não se confunde com  àquelas atividades de parada e revista realizada pelos policiais (os chamados  popularmente de “enquadros”). 

Nesse sentido, alguns doutrinadores estão marcando a diferenciação  chamando aquelas abordagens e revistas realizadas pela Polícia, no exercício de  Poder de Polícia, como “busca pessoal preventiva”. A “busca pessoal” que ocorre  quando um policial aborda um transeunte é corolário do Poder de Polícia da  Administração Pública, não um meio de obtenção de prova advindo do Código de Processo Penal. É, a busca pessoal preventiva, um ato administrativo e, assim sendo,  preferimos a expressão “busca pessoal administrativa”. 

Sobre tais abordagens, são importantes as considerações de Ronaldo Roth: 

[…] quando é a Polícia preventiva que faz uma abordagem policial a uma  pessoa ou uma busca pessoal, para preservação da ordem pública, agindo a fim de inibir a infração penal, esse procedimento, que é discricionário, é  disciplinado pelo Direito Administrativo, e realizado com fundamento no  poder de polícia. Por outro lado, quando após a infração penal, a Polícia  judiciária atua, essa o faz diante da disciplina do Direito Processual Penal,  de modo vinculado, e diante das prescrições e formalidades legais, como por  exemplo uma busca domiciliar […].

Essa ideia vai ao encontro daquilo que explica a Professora Maria Sylvia, no  que diz respeito a atividade desempenhada pelo Estado quando do exercício do Poder  de Polícia, segundo a qual um dos meios de atuação desse poder são  

[…] os atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso  concreto, compreendendo medidas preventivas (fiscalização, vistoria, ordem,  notificação, autorização, licença), com o objetivo de adequar o  comportamento individual à lei, e medidas repressivas (dissolução de  reunião, interdição de atividade, apreensão de mercadorias deterioradas,  internação de pessoa com doença contagiosa), com a finalidade de coagir o infrator a cumprir a lei.

Assevera a autora que o poder de polícia pode ser discricionário ou vinculado,  sendo discricionário quando “a lei deixa certa margem de liberdade de apreciação  quanto a determinados elementos, como o motivo ou o objeto […]”, e vinculado  quando “a lei já estabelece que, diante de determinados requisitos, a Administração  terá que adotar solução previamente estabelecida, sem qualquer possibilidade de  opção”

Portanto, o Poder de Polícia (seja vinculado ou discricionário), assim como  todos os atos administrativos, deve ser exercido em consonância com a Lei, sob pena  de nulidade ou de inexistência. Mas, como se sabe, à administração pública é admitido  o uso de meios indiretos (v.g. multa) ou meios diretos (v.g. apreensão de mercadorias)  de coação para a garantia do interesse público. 

Diga-se, outrossim, que o Poder de Polícia não se encerra nas atividades de  Policiamento Ostensivo Fardado nem nas atividades de Polícia Judiciária. Do  contrário, o Estado conta com diversos órgãos que atuam com Poder de Polícia, como  as Agências Reguladoras, os órgãos da Fazenda Pública, os Departamentos de  Trânsito, dentre outros. 

Contudo, a Constituição Federal (elemento máximo dentro de um  ordenamento) atribuiu às policias militares o policiamento ostensivo e a preservação  da ordem pública (§5º do art. 144), de forma que devem os policiais militares atuarem  (com observância da Lei especifica que regulamente sua atividade) em consonância  com tal disposição constitucional. 

3.1 A BUSCA PESSOAL ADMINISTRATIVA E A PREVISÃO LEGAL 

Seria possível objetar que a Lei não estabelece uma “busca pessoal  administrativa” especifica para a atividade policial. Ocorre que esse questionamento  encontra vários problemas.  

De início, qual seria a forma mais adequada de um Policial proceder ao  verificar uma conduta (frise-se, conduta) suspeita? Ora, não tem como o Policial saber  se uma pessoa em atitude suspeita está portando objeto de crime, sobrando apenas  a possibilidade de abordagem e revista. Não se pode fechar os olhos para o fato de  que os Policiais, sobretudo os mais experientes, tem a capacidade (a perícia, a  habilidade) de reconhecer alguém que está em uma atitude suspeita, considerando o  grande número de ocorrências que atendem diariamente e a consequente destreza  que adquirem com o tempo de profissão

Além disso, não é possível reclamar que uma busca pessoal administrativa é  ilegal ou inconstitucional pois trata-se de uma decorrência da atribuição à Polícia de  garantia da ordem pública, a qual se realiza, dentre outras formas, pelas atividades  de fiscalização, conforme analisa Roberto Botelho: 

Ora, é a CRFB quem garante, de forma muito cristalina e nítida, a  competência das Polícias Militares do Brasil, para que, em face do exercício  do Poder de Polícia, e dentro de seus atributos, não somente possam,  como devem abordar as pessoas em via pública e, por consequência,  realizar sempre a busca pessoal, tendo em vista que ela, de molde algum,  

Assim, aqueles que criticam as buscas e revistas pessoais realizadas pelos  policiais em decorrência do Poder de Polícia limitam-se a apenas criticar, mas não  arriscam propor uma solução para o caso. 

Soma-se a isso o fato de que o Supremo Tribunal Federal adota, quando  necessário, a teoria dos poderes implícitos, segundo a qual quando a Constituição  estabelece a um órgão determinada função, também dispensa a tal órgão todos os  instrumentos necessários para a realização de tal função. Nesse sentido, julgou o  Pretório Excelso em caso de poderes da Defensoria Pública: 

EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ORGÂNICA  DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO.  FORTALECIMENTO, PELO CONSTITUINTE DERIVADO REFORMADOR,  DA MOLDURA NORMATIVO-CONSTITUCIONAL ATINENTE À  DEFENSORIA PÚBLICA. PODER DE REQUISITAR DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES PARA O EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. INSTRUMENTO DE VIABILIZAÇÃO DA MISSÃO INSTITUCIONAL E CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.  

TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS. […]. 5. Cumpre aplicar a teoria dos  poderes implícitos, segundo a qual a outorga a órgão público de competência constitucional expressa importa em deferimento tácito, a esse mesmo órgão, dos meios e instrumentos necessários à integral consecução dos fins atribuídos. 6. Devem ser observadas as demais  garantias constitucionais, a exemplo da proteção dos dados pessoais (CF, art. 5º LXXIX), com ressalva expressa àqueles cujo acesso dependa  de autorização judicial. […]

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPEITO À AUTONOMIA  FUNCIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA. TEORIA DOS PODERES  IMPLÍCITOS E ADEQUAÇÃO, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE NA PREVISÃO LEGAL DO PODER DE REQUISIÇÃO PARA O EFETIVO EXERCÍCIO DE SUA MISSÃO INSTITUCIONAL. CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 9º, XIV E XIX, E 36, IX, DA LEI COMPLEMENTAR 251/2003 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. […].

4. Aplicação da teoria dos poderes implícitos – inherent powers –,   com o reconhecimento de competências genéricas implícitas à Defensoria Pública que permitam o pleno e efetivo exercício de sua  missão constitucional, ressalvados os elementos de informação que  dependam de autorização judicial.

5. Ação Direta julgada improcedente.

[grifos nossos].

O mesmo Tribunal dispensa essa teoria quando há previsão legal expressa  da atribuição de instrumento necessário para a consecução dos fins atribuídos pela  Carta Magna a determinado órgão, como no caso dos poderes de investigação da  Polícia Judiciária, in verbis

Ementa: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO DO INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ART. 6º DO CPP. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA. DESNECESSIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA OU DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR DECISÃO JUDICIAL, APÓS A CONFISSÃO INFORMAL E O INTERROGATÓRIO DO INDICIADO. LEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO. USO DE  ALGEMAS DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. CONDENAÇÃO BASEADA EM  PROVAS IDÔNEAS E SUFICIENTES. NULIDADE PROCESSUAIS NÃO VERIFICADAS. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO  PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ORDEM DENEGADA. I – A própria Constituição  Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração  de infrações penais. II – O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez,  estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial  quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostas nos  incisos II a VI. III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as  providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a  condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as  garantias legais e constitucionais dos conduzidos. IV – Desnecessidade de  invocação da chamada teoria ou doutrina dos poderes implícitos,  construída pela Suprema Corte norte-americana e e incorporada ao  nosso ordenamento jurídico, uma vez que há previsão expressa, na  Constituição e no Código de Processo Penal, que dá poderes à polícia  civil para investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como  para exercer as funções de polícia judiciária. […]. [grifos nossos].

Assim, o poder de fiscalização da Polícia Militar, consistente na busca  administrativa, foi atribuído indiretamente a ela pela Constituição Federal, como  corolário lógico da teoria dos poderes implícitos, adotada pelo STF.

Não bastasse isso, ainda, o Decreto-Lei 667/6920, a despeito de não fazer  menção a busca pessoal administrativa, estabelece a competência das Policias  Militares em seu art. 3º, das quais destacamos três:

Art. 3º – Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna  nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições: (Redação dada pelo Del  nº 2010, de 1983) 

a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das Forças  Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade  competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da  ordem pública e o exercício dos poderes constituídos; (Redação dada pelo Del nº 2010, de 1983) 

b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas  específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;  (Redação dada pelo Del nº 2010, de 12.1.1983) 

c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem,  precedendo o eventual emprego das Forças Armadas; (Redação dada pelo Del nº 2010, de 1983

Vê-se que a Lei estabeleceu as funções, as competências, mas não  especificou quais são os instrumentos para a consecução dessas funções, devendo,  nesse caso, se aplicar a Teoria dos Poderes Implícitos, sob pena de tornar inerte a  atribuição constitucional de garantia e preservação da ordem pública. 

De arremate, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu, por diversas  vezes, que a abordagem policial é corolário do Poder de Polícia: 

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE  RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. PORTE  ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO, NUMERAÇÃO RASPADA. BUSCA PESSOAL. FUNDADA SUSPEITA. NULIDADE. REVOLVIMENTO FÁTICO PROBATÓRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. ABORDAGEM POLICIAL. PODER DE POLÍCIA. CRIME PERMANENTE. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. DESNECESSIDADE. DIREITO AO SILÊNCIO. RÉU QUE PERMANECEU CALADO NA FASE EXTRAJUDICIAL E JUDICIAL. ADVERTÊNCIA CONTIDA NOS INTERROGATÓRIOS POLICIAL E JUDICIAL. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. WRIT NÃO CONHECIDO. 

[…]. 

3. A abordagem policial decorre do poder de polícia inerente à atividade  do Poder Público que, calcada na lei, tem o dever de prevenir delitos e  condutas ofensivas à ordem pública.  

4. Hipótese em que a ação dos policiais foi efetiva, pois resultou na prisão em flagrante do paciente por crime permanente, o qual não se exige mandado de busca e apreensão para sua efetivação. Precedentes. 

5. De acordo com a Quinta Turma deste Tribunal, “revela-se  despropositado que, a toda abordagem policial, o agente estatal advirta acerca do direito constitucional ao silêncio, sob pena de torná-los todos  em suspeitos de práticas delitivas” (RHC 61.754/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 07/11/2016).

6. No caso em exame, o acórdão impugnado afirmou que “tanto no  interrogatório realizado na fase investigativa quanto naquele posteriormente  efetivado em juízo, houve expressa menção acerca da advertência do direito  ao silêncio”, razão pela qual não há falar em cerceamento de defesa. 

7. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no  sentido de que o reconhecimento de nulidade exige a demonstração do prejuízo, à luz do art. 563 do Código de Processo Penal, segundo o princípio pas de nullité sans grief, o que não se verifica na espécie.

8. Habeas corpus não conhecido.

Por isso, considerando a determinação constitucional (e também legal), assim  como a teoria dos poderes implícitos, é necessário que seja reconhecida a busca  pessoal administrativa como medida legítima de garantia da ordem e segurança  pública. 

3.2 A BUSCA PESSOAL ADMINISTRATIVA E A ATUAÇÃO JURISDICIONAL 

O Poder de Polícia exercido pela Polícia Militar quando de uma fiscalização  ou de uma busca administrativa é um poder discricionário, já que, em se tratando  dessas situações, é impossível que o legislador preveja todas as hipóteses em que a  administração pública deva agir, de forma que a Constituição Federal adotou uma  clausula geral, a de que às Polícias Militares cabe a preservação da ordem pública 

(os lusos possuem clausula semelhante, a chamada clausula geral de polícia). No  entanto, nem a Lei nem a Constituição estabelece os instrumentos para tal  preservação, como mencionado alhures. 

Sobre os atos discricionários, tem-se que não pode o Poder Judiciário se  imiscuir no mérito destes atos, isto é, nas razões que levaram o agente público a tomar  determinada decisão, já que foi o próprio legislador que deixou um espaço para a  discricionariedade do agente público, o qual agirá conforme um critério de  

 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quinta Turma). Habeas Corpus Nº 385110/SC. Rel. Min.  Ribeiro Dantas, 06 de jun. de 2017. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/. Acesso em: 16 de  dezembro de 2022.

conveniência e oportunidade, de forma que, caso o magistrado adentre o mérito do  ato, ele estará violando o princípio constitucional de separação dos poderes. Não obstante, pode o Poder Judiciário verificar se o ato em questão possui  todos os seus elementos incólumes, como a moralidade, de forma a considerar a  razoabilidade, o comportamento esperado do homem-médio e levando em  consideração que não pode substituir os valores morais do administrador pelos seus  próprios. Nesse sentido são os ensinamentos de Maria Sylvia: 

A distinção entre atos discricionários e atos vinculados tem importância  fundamental no que diz respeito ao controle que o Poder Judiciário sobre eles  exerce. 

[…]. 

Com relação aos atos discricionários, o controle judicial é possível mas terá  que respeitar a discricionariedade administrativa nos limites em que ela  é assegurada à Administração Pública pela lei. 

Isto ocorre precisamente pelo fato de ser a discricionariedade um poder delimitado previamente pelo legislador; este, ao definir determinado ato,  intencionalmente deixa um espaço para livre decisão da Administração Pública, legitimando previamente a sua opção; qualquer delas será legal. Daí por que não pode o Poder Judiciário invadir esse espaço reservado, pela lei, ao administrador, pois, caso contrário, estaria substituindo, por seus próprios  critérios de escolha, a opção legítima feita pela autoridade competente com  base em razões de oportunidade e conveniência que ela, melhor do que ninguém, pode decidir diante de cada caso concreto. 

A rigor, pode-se dizer que, com relação ao ato discricionário, o Judiciário pode  apreciar os aspectos da legalidade e verificar se a Administração não ultrapassou os limites da discricionariedade; neste caso, pode o Judiciário invalidar o ato, porque a autoridade ultrapassou o espaço livre deixado pela lei e invadiu o campo da legalidade. 

[…]. 

Começa a surgir no direito brasileiro forte tendência no sentido de limitar-se  ainda mais a discricionariedade administrativa, de modo a ampliar-se o  controle judicial. Essa tendência verifica-se com relação às noções  imprecisas que o legislador usa com frequência para designar o motivo e a  finalidade do ato (interesse público, conveniência administrativa, moralidade,  ordem pública etc.). Trata-se daquilo que os doutrinadores alemães chamam  de “conceitos legais indeterminados” (cf. Martin Bullinger, 1987). 

[…].. 

Se, para delimitação do conceito, houver necessidade de apreciação subjetiva, segundo conceitos de valor, haverá discricionariedade. É o  que ocorre quando a lei prevê a remoção do funcionário para atender a necessidade do serviço

[…] não pode [o Poder Judiciário] examinar os critérios de valor em que se  baseou a autoridade administrativa, porque estaria penetrando no exame da discricionariedade. Mesmo neste caso, alguns autores apelam para o  princípio da razoabilidade para daí inferir que a valoração subjetiva tem que ser feita dentro do razoável, ou seja, em consonância com aquilo que, para o  senso comum, seria aceitável perante a lei. 

Existem situações extremas em que não há dúvida possível, pois  qualquer pessoa normal, diante das mesmas circunstâncias, resolveria  que elas são certas ou erradas, justas ou injustas, morais ou imorais,  contrárias ou favoráveis ao interesse público; e existe uma zona  intermediária, cinzenta, em que essa definição é imprecisa e dentro da  qual a decisão será discricionária, colocando-se fora do alcance do 

Poder Judiciário (cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, in RDP 65/27-38; Lúcia Valle Figueiredo, 1986:120-135; Regina Helena Costa, 1988:79-108). 

Por exemplo, o conceito de notável saber jurídico permite certa margem de discricionariedade na referida zona cinzenta; mas não a permite quando os  elementos de fato levam à conclusão, sem sombra de dúvida, de que o  requisito constitucional não foi atendido. 

Dentro desses parâmetros é que caberá ao Poder Judiciário examinar a moralidade dos atos administrativos, com fundamento no artigo 37, caput, e artigo 5º, LXXIII, da Constituição, este último referente à ação popular. Não  cabe ao magistrado substituir os valores morais do administrador público pelos seus próprios valores, desde que uns e outros sejam admissíveis como válidos dentro da sociedade; o que ele pode e deve invalidar são os atos que, pelos padrões do homem comum, atentam manifestamente contra a moralidade. Não é possível estabelecer regras objetivas para orientar a atitude do juiz. Normalmente, os atos imorais são acompanhados de grande clamor público, até hoje sem sensibilizar a Administração. Espera-se que o Judiciário se mostre sensível a esses  reclamos.  Essa tendência que se observa na doutrina, de ampliar o alcance da apreciação do Poder Judiciário, não implica invasão na discricionariedade administrativa; o que se procura é colocar essa discricionariedade em seus  devidos limites, para distingui-la da interpretação (apreciação que leva a uma única solução, sem interferência da vontade do intérprete) e impedir as  arbitrariedades que a Administração Pública pratica sob o pretexto de agir  discricionariamente.

Pensemos na seguinte situação: um sujeito encontra-se em um ponto de  tráfico de drogas, em um dia de calor, trajando roupas pesadas de frio (como uma  jaqueta ou moletom). Ora, qualquer pessoa de mediano juízo, ao se deparar com tal  comportamento, o considerará um comportamento, no mínimo, estranho, suspeito. 

Novamente com Roth: 

[as policias militares] sempre atuaram e atuarão na via pública, durante o  policiamento ostensivo para a preservação da ordem pública, abordando pessoas, quando houver a necessidade de se aferir ou verificar  qualquer situação que seja analisada pelo policial como situação que  desperte uma anormalidade, suscite um comportamento que, fugindo do que  é esperado pela visão do policial, demande a ação policial, preventiva, seja abordando e pedindo documentos para identificação da pessoa, seja para esclarecer o porquê do comportamento estranho ali em concreto verificado.  

Se após essa primeira medida, tudo ficar esclarecido, certamente o cidadão abordado irá ser liberado, caso contrário, poderá o policial realizar a busca  pessoal, também preventiva, para a constatação da existência de armas,  drogas ou outro material ilícito que esteja portando ou transportando.

Em síntese, uma vez realizada a busca pessoal preventiva, nos moldes acima  expostos, não pode o poder judiciário verificar o mérito desta ação, mas apenas e tão  somente se foram preenchidos todos os requisitos do ato administrativo em questão,  numa análise de, sobretudo, sua legalidade. 

Além disso, não cabe dizer que a atividade policial de abordagem (a nossa  Busca Pessoal Administrativa) represente violação às garantias e direitos de  intimidade, privacidade e liberdade como consequência do chamado “racismo  estrutural”. Nesse sentido, explica Azor Lopes: 

Nessa linha, “tirocínio policial” tem a mesma natureza semântica que  “prudente arbítrio do juiz”, salvo se o processo de interpretação semântica  estiver sofrendo efeitos de um preconceito profissional estrutural, a partir da  ideia de que os saberes que compõe um destes seriam mais elevados que  os que compõe o outro. 

A expressão “tirocínio policial” não pode sofrer uma carga semântica  depreciativa ou negativa que inevitavelmente conduz à arbitrariedade,  quando ela compõe o acervo linguístico de um meio e se define como um  saber empírico, adquirido a partir da observação do meio e das experiências  vividas; negar esse saber ou deprecia-lo seria o mesmo que dizer que  decanos dos tribunais teriam o mesmo nível de maturidade profissional que  juízes ainda sem vitaliciedade; seria desprezar o saber acumulado dos  professores catedráticos e livre docentes, colocando-os no mesmo patamar  do iniciante professor-adjunto. 

O policial não é dotado de tirocínio simplesmente pela posse no cargo, assim  como o magistrado não adquire o atributo de prudente tão só por atingir a  vitaliciedade; não se trata de atributo normativo, mas cultural fruto de  expertise e habilidades contruidas28

Por detrás desse esforço de deslegitimação do poder de polícia surge – tanto no campo acadêmico quanto no case julgado pelo Superior  Tribunal de Justiça – como hipótese recorrente o chamado “racismo  estrutural”. Exemplo mais recente dessa tese é a pesquisa conduzida pelo  Centro de Estudos de Segurança e Cidadania29 do Rio de Janeiro, divulgada  em fevereiro de 2015, entrevistando 739 transeuntes de áreas de grande  circulação em maio de 2021 e, ainda outros, em grupos focais (jovens  moradores de favelas, entregadores, motoristas de aplicativos, mulheres e  policiais) demonstrando que jovens negros são os mais visados nessas  abordagens policiais. Os pesquisadores até tiveram o cuidado de contratar o  dado de que o extrato de negros na população da cidade do Rio de Janeiro é  48%, mas concluiu pela hipótese do racismo estrutural, analisando o dado  percentual de maior incidência de abordagens a pessoas negras (63%),  sendo que 17% delas já teria passado por mais de 10 abordagens policiais. 

A hipótese do chamado “racismo estrutural” carece de pesquisas mais  detalhadas e qualitativas. Veja-se que uma pesquisa30 do Instituto Brasileiro  de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019 revelou que no mercado de  trabalho 29,9% dos cargos gerenciais são ocupados por negros, negros  compõe 32,9% da população situada abaixo da linha de pobre [sic] (renda  diária inferior a US$5,50), 29,8% de negros com idade acima de 15 anos são  analfabetos e que, em 2017, foi de 185 a taxa de homicídios por grupo de 100  mil, no estrato de jovens negros com idade entre 15 e 29 anos. 

[…]. 

Com destaque aos níveis de violência apontados, resta estabelecer o  porquê desses indicadores de preponderância, sendo razoável traçar  como hipóteses alternativas à de existência de padrões de conduta  policial orientados pelo chamado “racismo estrutural”: (1) os territórios  de exclusão social são mais férteis ao domínio da criminalidade organizada centrada no tráfico de drogas e de mais probabilidade de cooptação de jovens negros com baixa escolaridade e socialmente excluidos; (2) dessa primeira hipótese decorrerem políticas de estado,  na tentativa de combate ao crime organizado, orientadas à maior intervenção policial nesses espaços; (3) a percepção, pelos agentes  policiais que atuam nesses espaços sociais, de comportamentos individuais singulares próprios de criminosos habituais, levando à maior incidência de abordagens sobre esses suspeitos

Razoável, no plano da mesma lógica cientifica, suscitar a seguinte hipótese:  o “racismo estrutural” também teria contaminado o Poder Judiciário, de tal  forma que os magistrados tendem ao preconceito racial no momento das  condenações? Justifica-se a hipótese: dados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam que em julho de 2022 o Brasil mantém 910.147  pessoas privadas de liberdade e outras 358.532 contra as quais há mandados  de prisão pendentes de cumprimento; o último censo penitenciário publicado  pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) é de 2014 e nesse se  mostra que “a porcentagem de pessoas negras no sistema prisional é de  67%, na população brasileira em geral, a proporção é significativamente  menor (51%)

Assim, tanto o ato de interpretar a norma para julgar um caso concreto,  quanto aplicar a mesma norma na condução de políticas públicas de segurança, não passa de uma opção em busca de um agir volitivo que, ao menos se espera, seja vocacionado para o bem-comum com respeito aos direitos individuais e jamais à discriminação de qualquer ordem […]. 

Por essas razões, ainda que seja necessário a fundada suspeita do agente  da administração pública (o Policial Militar) para a busca pessoal, fato é que quando  um policial aborda uma pessoa, presumivelmente o faz em razão de uma fundada  suspeita (costumeiramente, o policial faz referência a uma pessoa “em atitude  suspeita”). Vale dizer, outrossim, que a Polícia também é composta de pessoas que  fazem ou fizeram parte de grupos socialmente marginalizados. 

Anote-se que, diversamente do que se alega, são várias as razões pelas quais  levam o policial a suspeitar e abordar uma pessoa, é dizer, são várias as possíveis  atitudes suspeitas: a) uso de tatuagem relacionada ao crime organizado (v.g. carpa e  palhaço); b) pessoa parada próxima a ponto de frequente tráfico de drogas; c)  frequentar lugares costumeiramente frequentados por egressos do sistema prisional  ou com ficha criminal; d) trajar roupas incompatíveis com o momento climático (v.g.  roupas de frio em dias de calor); e) trafegar em alta velocidade; f) trafegar durante o  período noturno com o veículo cheio de ocupantes; g) empreender fuga ao se deparar  com uma viatura da Polícia, dentre outros.

Ora, todas essas atitudes revelam um certo grau idiossincrático, porquanto  destoante daquilo que a maioria da população faria, o que, apesar disso, não são  aptos a justificar uma prisão, mas sim uma abordagem (e busca pessoal  administrativa) e, uma vez verificado que, de fato, a pessoa carregava elemento de  crime, resta demonstrada que aquele comportamento idiossincrático denunciava um  crime. 

Assim, presumir que a Polícia aborda pessoas com base em discriminação  seria imputar ao policial, de plano, a prática de atos discriminatórios, o que não se  sustenta, seja pela falta de provas, seja pela falta de concatenação lógico-fática dessa  tese frente a todos os elementos aqui declinados 

4 TRANSPLANTES JURÍDICOS 

Quando se quer trazer um mecanismo de um ordenamento jurídico  alienígena, deve-se ter em mente que não se pode simplesmente “transplanta-lo”, mas  deve-se “traduzi-lo”. O Professor Marcos Zilli, do Departamento de Direito Processual  da Universidade de São Paulo, explica muito bem a diferença entre uma tradução e  um transplante, utilizando dos escritos de Máximo Langer: 

Em estudo desenvolvido no campo do processo penal comparado, e mais especificamente dos mecanismos de solução negociada do conflito penal, Langer posiciona-se entre os críticos ao uso do termo transplante como ferramental [sic] apto a captar os diferentes resultados provenientes das  interações entre os sistemas jurídicos. Propõe, assim, o uso da expressão “tradução”. Entende ser esta a mais adequada para distinguir as fontes linguísticas entre os sistemas de origem e o receptor, permitindo, assim, identificar as diferenças de sentido ocorridas no processo de aproveitamento de institutos estrangeiros

[…]. 

O intercâmbio entre sistemas jurídicos é inevitável e, ademais, salutar. A inspiração dos modelos estrangeiros deve vir cercada de cuidados. A análise  criteriosa supõe não só conhecimento do funcionamento do modelo que  inspira, como também conhecimento do modelo que se busca aperfeiçoar.  

[…]. Por desconsiderarem a realidade do sistema receptor, os transplantes  jurídicos não são a solução. […].

No entanto, os Tribunais Superiores, notadamente o Superior Tribunal de  Justiça (STJ), as vezes vão na contramão dessa necessidade. Com o escopo de  demonstrar essa assertiva, trouxemos à baila recente julgado do referido Tribunal,  sobre o qual a comunidade jurídica – sobretudo aquela relacionada ao Direito Militar  e Segurança Pública – teceu severas (porem justas e devidas) críticas. É o Habeas  Corpus 158.580:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA. ALEGAÇÃO VAGA DE ATITUDE SUSPEITA. INSUFICIÊNCIA. ILICITUDE DA PROVA OBTIDA.  TRANCAMENTO DO PROCESSO. RECURSO PROVIDO. 

  1. Exige-se, em termos de standard probatório para busca pessoal ou veicular  sem mandado judicial, a existência de fundada suspeita (justa causa)  baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão  possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e  circunstâncias do caso concreto de que o indivíduo esteja na posse de  drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito,  evidenciando-se a urgência de se executar a diligência. 
  1. Entretanto, a normativa constante do art. 244 do CPP não se limita a exigir  que a suspeita seja fundada. É preciso, também, que esteja relacionada à  posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de  delito. Vale dizer, há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à  sua finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em salvo conduto para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions),  baseadas em suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou  situações, sem relação específica com a posse de arma proibida ou objeto  (droga, por exemplo) que constitua corpo de delito de uma infração penal. O  art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como rotina ou  praxedo policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação  exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e  motivação correlata. 
  1. Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte  não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões  subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta,  apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência  de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a  classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita,  ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o  standard probatório de fundada suspeitaexigido pelo art. 244 do CPP. 
  1. O fato de haverem sido encontrados objetos ilícitos independentemente  da quantidade após a revista não convalida a ilegalidade prévia, pois é  necessário que o elemento fundada suspeita de posse de corpo de delito seja  aferido com base no que se tinha antes da diligência. Se não havia fundada  suspeita de que a pessoa estava na posse de arma proibida, droga ou de  objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não há como se admitir que  a mera descoberta casual de situação de flagrância, posterior à revista do  indivíduo, justifique a medida. 
  2. A violação dessas regras e condições legais para busca pessoal resulta na  ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais  provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de  eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m)  realizado a diligência. 
  1. Há três razões principais para que se exijam elementos sólidos, objetivos  e concretos para a realização de busca pessoal vulgarmente conhecida  como dura, geral, revista, enquadro ou baculejo , além da intuição baseada  no tirocínio policial:

a) evitar o uso excessivo desse expediente e, por consequência, a restrição  desnecessária e abusiva dos direitos fundamentais à intimidade, à  privacidade e à liberdade (art. 5º, caput, e X, da Constituição Federal),  porquanto, além de se tratar de conduta invasiva e constrangedora mesmo  se realizada com urbanidade, o que infelizmente nem sempre ocorre ,  também implica a detenção do indivíduo, ainda que por breves instantes; 

b) garantir a sindicabilidade da abordagem, isto é, permitir que tanto possa  ser contrastada e questionada pelas partes, quanto ter sua validade  controlada a posteriori por um terceiro imparcial (Poder Judiciário), o que se  inviabiliza quando a medida tem por base apenas aspectos subjetivos,  intangíveis e não demonstráveis; 

c) evitar a repetição ainda que nem sempre consciente de práticas que  reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso  do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural. 

7. Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento  ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados  potenciais criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos por fatores  subjetivos, como idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência,  vestimentas etc. Sob essa perspectiva, a ausência de justificativas e de  elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos diante da  discricionariedade policial na identificação de suspeitos de práticas  criminosas pode fragilizar e tornar írritos os direitos à intimidade, à  privacidade e à liberdade. 

8. Os enquadros se dirigem desproporcionalmente aos rapazes negros  moradores de favelas dos bairros pobres das periferias. Dados similares  quanto à sobrerrepresentação desse perfil entre os suspeitos da polícia são  apontados por diversas pesquisas desde os anos 1960 até hoje e em  diferentes países do mundo. Trata-se de um padrão consideravelmente  antigo e que ainda hoje se mantém, de modo que, ao menos entre os  estudiosos da polícia, não existe mais dúvida de que o racismo é reproduzido  e reforçado através da maior vigilância policial a que é submetida a população  negra. Mais do que isso, os policiais tendem a enquadrar mais pessoas  jovens, do sexo masculino e de cor negra não apenas como um fruto da  dinâmica da criminalidade, como resposta a ações criminosas, mas como um  enviesamento no exercício do seu poder contra esse grupo social,  independentemente do seu efetivo engajamento com condutas ilegais, por  um direcionamento prévio do controle social na sua direção(DA MATA,  Jéssica, A Política do Enquadro, São Paulo: RT, 2021, p. 150 e 156). 

9. A pretexto de transmitir uma sensação de segurança à população, as  agências policiais em verdadeiros “tribunais de rua” cotidianamente  constrangem os famigerados elementos suspeitoscom base em preconceitos  estruturais, restringem indevidamente seus direitos fundamentais, deixam lhes graves traumas e, com isso, ainda prejudicam a imagem da própria  instituição e aumentam a desconfiança da coletividade sobre ela. 

10. Daí a importância, como se tem insistido desde o julgamento do HC n.  598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 15/3/2021), do uso de  câmeras pelos agentes de segurança, a fim de que se possa aprimorar o  controle sobre a atividade policial, tanto para coibir práticas ilegais, quanto  para preservar os bons policiais de injustas e levianas acusações de abuso.  Sobre a gravação audiovisual, aliás, é pertinente destacar o recente  julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos Embargos de Declaração na  Medida Cautelar da ADPF n. 635 (“ADPF das Favelas”, finalizado em  3/2/2022), oportunidade na qual o Pretório Excelso em sua composição plena e em consonância com o decidido por este Superior Tribunal no HC n.  598.051/SP reconheceu a imprescindibilidade de tal forma de monitoração da  atividade policial e determinou, entre outros pontos, que “o Estado do Rio de  Janeiro, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos  de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas  fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos  respectivos arquivos”. 

11. Mesmo que se considere que todos os flagrantes decorrem de busca  pessoal o que por certo não é verdade , as estatísticas oficiais das  Secretarias de Segurança Pública apontam que o índice de eficiência no  encontro de objetos ilícitos em abordagens policiais é de apenas 1%; isto é,  de cada 100 pessoas revistadas pelas polícias brasileiras, apenas uma é  autuada por alguma ilegalidade. É oportuno lembrar, nesse sentido, que, em  Nova Iorque, o percentual de eficiência das stop and frisks era de 12%, isto  é, 12 vezes a porcentagem de acerto da polícia brasileira, e, mesmo assim,  foi considerado baixo e inconstitucional em 2013, no julgamento da class  action Floyd, et al. v. City of New York, et al. pela juíza federal Shira  Scheindlin. 

12. Conquanto as instituições policiais hajam figurado no centro das críticas,  não são as únicas a merecê-las. É preciso que todos os integrantes do  sistema de justiça criminal façam uma reflexão conjunta sobre o papel que  ocupam na manutenção da seletividade racial. Por se tratar da porta de  entrada no sistema, o padrão discriminatório salta aos olhos, à primeira vista,  nas abordagens policiais, efetuadas principalmente pela Polícia Militar. No  entanto, práticas como a evidenciada no processo objeto deste recurso só se  perpetuam porque, a pretexto de combater a criminalidade, encontram  respaldo e chancela, tanto de delegados de polícia, quanto de representantes  do Ministério Público a quem compete, por excelência, o controle externo da  atividade policial (art. 129, VII, da Constituição Federal) e o papel de custos  iuris , como também, em especial, de segmentos do Poder Judiciário, ao  validarem medidas ilegais e abusivas perpetradas pelas agências de  segurança. 

13. Nessa direção, o Manual do Conselho Nacional de Justiça para Tomada  de Decisão na Audiência de Custódia orienta a que: “Reconhecendo o  perfilamento racial nas abordagens policiais e, consequentemente, nos  flagrantes lavrados pela polícia, cabe então ao Poder Judiciário assumir um  papel ativo para interromper e reverter esse quadro, diferenciando-se dos  atores que o antecedem no fluxo do sistema de justiça criminal”. 

14. Em paráfrase ao mote dos movimentos antirracistas, é preciso que  sejamos mais efetivos ante as práticas autoritárias e violentas do Estado  brasileiro, pois enquanto não houver um alinhamento pleno, por parte de  todos nós, entre o discurso humanizante e ações verdadeiramente  transformadoras de certas práticas institucionais e individuais, continuaremos  a assistir, apenas com lamentos, a morte do presente e do futuro, de nosso  país e de sua população mais invisível e vulnerável. E não realizaremos o  programa anunciado logo no preâmbulo de nossa Constituição, de  construção de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos  direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o  desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma  sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. 

15. Na espécie, a guarnição policial “deparou com um indivíduo desconhecido  em atitude suspeita” e, ao abordá-lo e revistar sua mochila, encontrou  porções de maconha e cocaína em seu interior, do que resultou a prisão em  flagrante do recorrente. Não foi apresentada nenhuma justificativa concreta  para a revista no recorrente além da vaga menção a uma suposta atitude suspeita, algo insuficiente para tal medida invasiva, conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal, do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

16. Recurso provido para determinar o trancamento do processo.27

Na temática dos transplantes, a crítica a ser feita a este julgado é que não se  aplica o standard probatório para buscas pessoais ou veiculares. Isso porque não há  sentido em dispensar a expressão standard probatório àquelas decisões que são  tomadas antes da atividade probatória, já que não houve, ainda, produção probatória  em sua completude (na acepção técnica), mormente se consideramos que a prova só  se forma após o efetivo contraditório.  

Não se olvida que “ […], nada impede que a técnica dos standards de prova  seja utilizada em níveis distintos, com vista às decisões distintas a serem proferidas  ao longo da persecução penal”28, no entanto, pela própria natureza da busca pessoal,  não é razoável exigir que ela seja “descrita com a maior precisão possível, aferida de  modo objetivo e devidamente justificada pelos indícios e circunstancias”, já que, nesse  caso, a mens legis era o de afastar o arbítrio policial, a busca pessoal sem a existência  de motivos, limitando-se, assim, o poder estatal. 

Entender diversamente, data vênia, abre espaço para que não haja mais  buscas pessoais, salvo com mandado judicial, pois exigir do agente estatal que  explique pormenorizadamente a razão pela qual em determinado momento julgou que  determinada pessoa estava em uma especifica atitude suspeita e, por isso, procedeu  na busca pessoal, é desconsiderar o fator humano que está em voga em situações  como essa. 

Não obstante, talvez a principal crítica a ser feita é que o julgado não  diferencia a busca pessoal processual penal e a busca pessoal administrativa. Essa  ausência de diferenciação abre espaço, data máxima vênia, para mais equívocos,  como por exemplo as chamadas fishing expeditions ou a adoção da Problable Cause

Ora, esses institutos, do direito norte-americano, não podem simplesmente  serem “importados” da legislação estrangeira, porque desconsideram as  particularidades do sistema brasileiro, especificamente o Poder de Polícia das  autoridades de Polícia Administrativa. Diferentemente das Policias norte-americanas, a Polícia brasileira não realiza o chamado “ciclo completo de polícia”, é dizer, ou atuam  na atividade preventiva ou atuam na atividade repressiva: 

 

[…] a Polícia preventiva atua na realização de múltiplas atividades antes do  delito, para evita-lo, enquanto a Polícia repressiva atua com a eclosão do  delito, na sua repressão e na sua investigação

Dai a necessidade de registrarmos, de pronto, o modelo de Polícia adotado  pelo Brasil, com origem francesa, consistente na dualidade de Polícia  Preventiva e de Polícia Judiciária, com atividades diversas e que não se  confundem […].

Assim sendo, as ideias de fishing expedition e probable cause deveriam, antes  de entrarem no ordenamento brasileiro, serem adaptadas para ele, sob pena de  prejudicar as atividades de prevenção.  

5 DA BUSCA DOMICILIAR 

A busca domiciliar vem disciplinada pelo Código de Processo Penal e, em  regra, depende de autorização judicial. Falamos em regra porque é possível que, em  situações excepcionais, expressas pela própria Carta Magna, é possível o ingresso  em domicílio alheio sem mandado. 

Nesse sentido, é possível o ingresso em domicilio alheio, sem mandado, em  caso de flagrante delito, desastre ou para prestar socorro.  

Esta medida é possível para: prender criminosos; apreender coisas achadas  ou obtidas por meios criminosos, instrumentos de falsificação ou de contrafação e  objetos falsificados ou contrafeitos, armas e munições, instrumentos utilizados na  prática de crime ou destinados a fim delituoso, cartas, abertas ou não, destinadas ao  acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu  conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; descobrir objetos necessários à prova  de infração ou à defesa do réu; apreender pessoas vítimas de crimes ou colher  qualquer elemento de convicção. 

Quanto ao momento, tem-se que referida busca pode se dar de noite (o que  dependerá de consentimento do morador) ou de dia (independentemente de  consentimento do morador). 

O mandado de busca deve ser minucioso, no sentido de descrever, o mais  precisamente possível, a casa em que será realizada a diligencia e seu morador,  

devendo o agente executor, antes de entrar na residência, ler o mandado ao morador  ou a quem o represente. Caso o morador se recuse a franquear a entrada durante o  dia, é lícito o arrombamento de porta. 

Uma dúvida comum é se o agente policial poderia invadir uma residência em  razão de estar perseguindo alguém. Ora, estando em situação de flagrância, é  possível entrar na residência, do fugitivo ou de terceiro, em razão do permissivo  constitucional. Em ambos os casos ter-se-iam flagrante delito, seja no caso de invasão  do domicilio do fugitivo, estando ele sendo perseguido na forma do art. 302, inc. III do  CPP, seja no caso de invasão de domicilio de terceiro, situação na qual o fugitivo  estaria cometendo o crime de violação de domicilio e, por consequência, estaria em  situação de flagrância.. 

Quando se fala em busca domiciliar, dois elementos são elementos de intenso  debate: o conceito de domicilio e o conceito de dia. 

O conceito de domicílio, para fins processuais penais, é extraído do art. 150,  §4º do Código Penal e compreende: qualquer compartimento habitado; aposento  ocupado de habitação coletiva (v.g. quarto de hotel); compartimento não aberto ao  público, onde alguém exerce profissão ou atividade (v.g. consultório médico; escritório  de advocacia). Também compreende, toda a extensão do território rural (para fins do  art. 5º, §5º do Estatuto do Desarmamento). 

Já o conceito de dia é um pouco mais problemático, como demonstra Renato  Brasileiro: 

Doutrina e jurisprudência sempre divergiram acerca do conceito de dia. Em  

virtude das dimensões continentais do território brasileiro, em que o nascer e  o pôr do sol ocorrem em horários diversos a depender da região do país em  que estivermos, sempre prevaleceu, aos olhos da jurisprudência, o critério  físico-astronômico, considerando como dia o período compreendido entre  a aurora e o crepúsculo.304 Outros doutrinadores, todavia, sempre preferiram  usar um critério cronológico, mais seguro, considerando como dia o período  compreendido entre 6:00h e 18:00h.305 Por fim, uma última corrente (mista)  trabalhava com a aplicação conjunta de ambos os critérios, o que, em tese,  atenderia à finalidade constitucional de maior proteção ao domicílio durante  a noite, resguardando-se a possibilidade de invasão domiciliar com  autorização judicial, mesmo após as 18:00 horas, desde que, ainda, não  fosse noite, como ocorre, por exemplo, naquelas localidades em que se adota  o horário de verão.

Com o objetivo de afastar quaisquer controvérsias acerca da matéria, a nova  Lei de Abuso de Autoridade passou a criminalizar o cumprimento de mandado  

de busca e apreensão domiciliar após as 21h ou antes das 5h (Lei n.  13.869/19, Art. 22, §1º, III), positivando, enfim, pelo menos para fins de

Cremos que, futuramente, prevalecerá o conceito de dia e noite estabelecido  pela Lei de Abuso de Autoridade, sem qualquer alteração, por ser um critério  estabelecido pela Lei e, por isso, mais juridicamente seguro, sendo esse, também, o  entendimento de Renato Brasileiro. 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Inicialmente, buscou-se especificar a natureza jurídica da busca pessoal  processual, atingindo-se a conclusão de que a busca pessoal é meio de obtenção de  prova por ser uma técnica de obtenção de elementos de prova ou de indícios (os  quais, por sua vez, são retirados das fontes de prova). 

Verificou-se que ela não poderia ser prova (porque não há prova sem a  instrução e o efetivo contraditório) nem elemento de prova, de cognição ou indício, já  que são elementos ligados ao fato, ao passo que a busca é um procedimento.  Também não pode ser ela uma fonte de prova, já que fonte de prova é de onde se  extrai a prova, sendo a busca um dos instrumentos de extração dessa prova. 

Em seguida, se analisou a busca pessoal processual sob a perspectiva do  garantismo constitucional e do princípio da proporcionalidade, chegando-se a conclusão de que sendo a segurança pública um direito fundamental de toda pessoa,  consoante disposição expressa na Constituição Federal (CRFB), direito essencial  para a garantia de outros direitos, como o da vida, da liberdade, o da propriedade,  dentre outros e sendo a busca pessoal processual um instrumento importante da  administração pública, é inviável a anulação massiva de processos sob o argumento  de que representaria violação à presunção de inocência e à intimidade do indivíduo,  sendo necessário a busca do equilíbrio entre os direitos, e não apenas a garantia dos  direitos dos réus. 

Após a análise da busca pessoal processual, foi estabelecida uma  diferenciação entre a busca pessoal processual e a busca pessoal preventiva, a qual  batizamos de busca pessoal administrativa. 

A diferença basilar entre as duas buscas é que a busca pessoal processual é  uma atividade própria do ramo processual penal, ao passo que a busca pessoal  administrativa é corolário do poder de polícia da administração pública. 

A busca pessoal administrativa, a despeito de não haver previsão legal  expressa, é um instrumento a disposição das policias reconhecido pela Teoria dos  Poderes Implícitos, já que a Constituição Federal atribuiu às Policias Militares o dever  de garantia da ordem pública. Referida teoria, oriunda do direito norte-americano, já  foi diversas vezes reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, de forma que ela só  não é aplicada quando a própria Lei atribuir expressamente os poderes necessários  (o que não é o caso). 

Além disso, não pode o poder judiciário se imiscuir no mérito do ato  administrativo de busca pessoal administrativa pois se trata de um ato discricionário,  de forma que o Judiciário pode apenas verificar a legalidade de tal ato 

Importante mencionar que não se pode presumir que a Polícia aborda  pessoas com base em discriminação, tanto pela falta de provas, tanto pela falta de  lógica dessa asserção, já que são vários os motivos que levam um Policial a abordar  uma pessoa, além do fato de que muitos policiais integram (ou já integraram) os  grupos considerados socialmente marginalizados. 

Noutro giro, a “importação” de elementos do direito norte-americano deve ser  feito com muita cautela, para não significar um “transplante” mas sim uma “tradução”.  Assim, quando se fala em fishing expedition, probable cause ou standard de prova,  deve-se tem em mente as características do sistema receptor (sistema brasileiro), sob  pena de tornar inerte algumas disposições constitucionais e legais. 

Assim, por exemplo, não se pode falar em standard de prova em relação a  uma busca pessoal, porquanto a busca pessoal não se realiza sem motivos, de forma  que o legislador, ao determinar que ela se dará em caso de “fundada suspeita”  buscava apenas afastar o arbítrio da administração pública, de forma que não  ocorresse buscas pessoais sem razão. Ora, exigir do agente estatal que explique  pormenorizadamente a razão pela qual em determinado momento julgou que  determinada pessoa estava em uma especifica atitude suspeita e, por isso, procedeu  na busca pessoal, é desconsiderar o fator humano em situações como essa, de forma  a abrir espaço para que ocorra apenas buscas pessoais com mandado judicial. 

Já sobre a fishing expedition ou a probable cause, tem-se que são institutos  jurídicos que devem ser adaptados ao sistema brasileiro, pois desconsideram dois  fatores importantes: I) a polícia brasileira não realiza o chamado “ciclo completo de  polícia”, sendo uma responsável pela atividade preventiva (Polícia Militar) e outra  responsável pela atividade de investigação (Policia Civil), diferentemente do sistema  norte-americano; II) as atividades da Polícia Militar se desenvolvem conforme o Direito  Administrativo, não conforme o Direito Processual Penal. Assim sendo, não se pode  simplesmente “importar” tais institutos sem considerar as particularidades do  ordenamento brasileiro. 

Finalmente, a busca domiciliar. A busca domiciliar não enfrenta tantos  grandes problemas como a busca pessoal, no entanto, alguns pontos merecem  bastante atenção. Por exemplo os conceitos de domicilio e de dia, assim como em  quais hipóteses a situação de flagrância permitiria o ingresso em domicilio alheio. 

Pois bem. 

No que diz respeito ao conceito de domicílio, é fato que referido conceito é  mais amplo no direito penal que no direito civil, de forma que o domicilio, para fins  penais, é extraído do art. 150, §4º do Código Penal, compreendendo qualquer  compartimento habitado; aposento ocupado de habitação coletiva (v.g. quarto de  hotel); compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou  atividade (v.g. consultório médico; escritório de advocacia). Diga-se que também  compreende, para fins de aplicação do Estatuto do Desarmamento, toda a extensão  do território rural. 

Já no que diz respeito ao conceito de dia, prevalecia na jurisprudência o critério físico-astronomico, segundo o qual dia seria o período entre a aurora e o  crepúsculo. No entanto, a Lei de Abuso de Autoridade especificou como dia, de  maneira mais segura, o período compreendido entre 5:00h (cinco horas) até 21:00h (vinte e uma horas). 

Por fim, sobre o ingresso em domicilio alheio. Estando em situação de  flagrância, é possível entrar na residência, do fugitivo ou de terceiros, em razão do  permissivo constitucional. No caso de invasão do domicilio do fugitivo, sendo  perseguido na forma do art. 302, inc. III do CPP ou no caso de invasão de domicilio  de terceiro (situação na qual o fugitivo estaria cometendo o crime de violação de  domicilio) estar-se-ia em situação de flagrância e, por isso, autorizado o ingresso.

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REFERÊNCIAS

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BOTELHO, Roberto. Uma meteórica análise constitucional-científica-doutrinária e  jurídica-técnica, especialmente sob a ótica administrativa, do recente julgado pelo STJ  – RHC 158.580/BA -, em face da competência e das prerrogativas das Policias  Militares do Brasil de agirem sob o Poder de Polícia na preservação da Ordem Pública.  JusMilitaris, [s.d]. Disponível em:  https://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/ARTIGO_BOTELHO.pdf.  

Acesso em: 13 de dez. de 2022. 

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