As delegacias de Polícia Civil e o exercício da atividade pacificadora

Ao firmar-se como meio fomentador de Resolução de Conflitos, a Delegacia de Polícia Civil além de trazer um importante papel à Sociedade, poderá contribuir também pela redução de demandas no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, que poderá tratar de questões que devem...
Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Ciências Penais e Segurança Pública realizado pelo aluno Nartan da Costa Andrade no ano de 2022.

INTRODUÇÃO

O consenso no processo penal brasileiro é algo que está se fortalecendo bastante nos últimos anos, não obstante a persecução criminal ter a sua origem na indisponibilidade, até porque visa garantir o cumprimento das normas na Sociedade e manter as boas relações sociais, e que no Brasil foi inserida no Ordenamento Jurídico Pátrio com o advento da Lei nº 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais Criminais.

Com efeito, a gestão de conflitos em sua acepção mais ampla, voltada ao própria gerenciamento faz parte também no âmbito penal, além de facilitar a comunicação das partes, no qual se poderá constatar e desfazer as divergências de logo apresentadas, será possível buscar alternativas, visando-se o consenso e o acordo recíproco, sem fomentar o acirramento do conflito, o que poderá ocorrer durante inclusive um período de espera da primeira audiência de conciliação ou transação penal no Juizado Especial Criminal, por exemplo.

Portanto, a utilização das técnicas de mediação e conciliação na fase pré-processual no âmbito das próprias Delegacias de Polícia Civil, com a possibilidade também, em algumas situações, da aplicação de medidas despenalizadoras, para posterior homologação do Poder Judiciário e ciência do Ministério Público, poder-se-á evitar, como já se disse alhures, um agravamento do conflito, e, inclusive, práticas delituosas, isso no aspecto pré-processual.

Destarte, a criação de um ambiente voltado ao consenso, além do ganho de tempo, pela necessidade de deixar clarividente que muitos conflitos necessitam somente de um auxílio de um terceiro para que se possa resgatar o diálogo, fortalecerá uma aproximação da Polícia Civil com a Sociedade.

Com efeito, a gestão de conflitos em sua acepção mais ampla, voltada ao própria gerenciamento faz parte também do cotidiano policial, visto que muitas vezes o cidadão procura uma Delegacia de Polícia a fim de resolver controvérsia que à primeira vista não está relacionada à atuação do policial, mas que se o conflito não for bem tratado desde a origem, certamente poderá correr o risco de culminar na prática de um delito, fazendo com que uma das partes pretenda resolvê-lo utilizando as suas próprias forças em algumas situações, acirrando-se o conflito.

A propósito, a busca de soluções consensuais no âmbito das delegacias de Polícia Civil fomentará a criação de um ambiente de facilitação da comunicação das partes, no qual se poderá constatar e desfazer as divergências de logo apresentadas. Desse modo, será possível buscar alternativas, visando-se o consenso e o acordo recíproco, sem fomentar o acirramento do conflito, o que poderá ocorrer durante inclusive um período de espera da primeira audiência de conciliação ou transação penal no Juizado Especial Criminal, na forma da Lei nº 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

Portanto, capacitando o Delegado de Polícia Civil, o Inspetor e o Escrivão no correto gerenciamento do conflito, especialmente por intermédio de técnicas de mediação e conciliação, com a possibilidade também, em algumas situações, da aplicação de medidas despenalizadoras, para posterior homologação do Poder Judiciário e ciência do Ministério Público, poder-se-á evitar, como já se disse alhures, um agravamento do conflito, e, inclusive, práticas delituosas.

Faz-se mister, assim, a construção de um relacionamento harmonioso e o bem-estar dos envolvidos, bem como um melhor tratamento de conflitos envolvendo infrações de menor potencial ofensivo que possam ser transacionadas ou condutas atípicas, nas Delegacias de Polícia Civil, onde é apresentado um considerável número de casos e em cujo órgão inicialmente o cidadão procura para tentar resolver o seu conflito, sem a necessidade de esperar a realização de outra audiência de conciliação no Poder Judiciário.

Do contrário, uma demora na resolução de conflitos por parte do Poder Judiciário – aguardando-se, por exemplo, a realização de uma audiência inicial, após a expedição de um Termo Circunstanciado de Ocorrência, poderá acarretar a um acirramento da contenda inicialmente simples e sem maiores reflexos na sociedade, ou até mesmo levar, em alguns casos, à prática de delitos mais graves, inclusive homicídios, diante da ausência de tratamento efetivo e pacífico do conflito.

1. AS SOLUÇÕES EXTRAJUDICIAIS DE CONFLITOS E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A Justiça atualmente não deve se restringir à administração do Estado-juiz, contemplando, assim, outros meios que possibilitem a resolução de conflitos frente à difícil realidade brasileira, sobretudo extrajudicialmente.

Para tanto, o Conselho Nacional de Justiça (C.N.J.) editou a Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, onde admitiu, dentre outros aspectos, a necessidade de o Judiciário organizar e uniformizar os serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais e/ou extrajudiciais de solução de conflitos, para lhes evitar disparidades de orientação e práticas, assegurando, assim, a boa execução das políticas públicas respeitadas as especificidades de cada segmento da justiça.

Assim, escolher-se-á o meio mais adequado de resolução de conflito, não se restringindo somente à utilização do Poder Judiciário, que não perde evidentemente suas características e funções primordiais, mas o Estado-Juiz passa a contemplar a possibilidade de aplicação do sistema multiportas, que se configura por um complexo de opções que é disponibilizado às partes para tentar solucionar o conflito.

Os órgãos do Judiciário, portanto, devem, após a normatização do CNJ, estabelecer como prioridade a utilização dos denominados meios adequados de resolução de controvérsias no âmbito judicial, bem como referendá-los quando praticados extrajudicialmente, abstraindo-se de uma formalidade exagerada, diante também do viés consensual que se fortaleceu ainda mais no Brasil com o advento da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015 – Marco Legal da Medição – e da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil Brasileiro.

Com efeito, na medida em que se fomenta uma cultura da busca do consenso desde o momento em que o conflito é apresentado, seja extrajudicialmente ou no âmbito do Poder Judiciário, poder-se-á reduzir a denominada “espiral do conflito”, que se resume pelo fato de que, na hipótese de não se solucionar de imediato e corretamente o conflito, decerto ele poderá não receber o tratamento adequado, tornando-se em alguns casos mais grave e sem o devido controle pelo Estado.

1.1 Os meios extrajudiciais de resolução de conflitos

No Brasil, são considerados os mais relevantes mecanismos de resolução de conflitos extrajudiciais, a arbitragem, a negociação, a conciliação e a mediação de conflitos, os quais vêm se mostrando de extrema relevância na sociedade, nos mais diversos ramos, com a única ressalva de envolver direitos que admitem autocomposição, outrora denominados de alternativos.

Para tanto, foram intitulados de uma forma muito correta pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao editar a já citada Resolução nº 125/2010, como mecanismos adequados, em vez de alternativos, na medida em que são instrumentos que podem resolver ou pacificar o conflito muitas vezes de forma célere, como também de maneira mais eficiente, visto que os interessados participam ativa e diretamente em alguns deles, inclusive no caso da arbitragem na escolha de um árbitro para proferir uma decisão e da mediação e a conciliação, com a escolha do conciliador ou do mediador.

Anteriormente quando tais mecanismos eram predominantemente chamados de alternativos, passava-se a ideia de que seriam menos importantes que a resolução do conflito pelo Poder Judiciário, gerando, portanto, um desprestígio quando a contenda fosse resolvida pelos ditos instrumentos.

Portanto, ao denominá-los de mecanismos adequados de resolução de conflitos, o CNJ finalmente compreende a sua relevante importância na sociedade e na solução de conflitos, que pode, sim, ser construída pelas próprias partes, sem aguardar somente a intervenção do Poder Judiciário, que muitas vezes em suas decisões não inibe o sentimento de injustiça que é carreado pela parte sucumbente, gerando também um elevado nível de insatisfação.

Destarte, quando se falava em alternativa, havia o objetivo de afirmar que tais mecanismos afastam-se do modelo tradicional de solução do conflito social, geralmente representado pela jurisdição, apresentando-se com meios muitas vezes mais eficazes de resolução de certos conflitos sociais, com participação ativa e efetiva das partes litigantes, conceito superado com a correta terminologia de adequados, máxime no âmbito extrajudicial.

O fortalecimento dos meios adequados de resolução de conflitos, com o apoio do órgão máximo fiscalizador do Poder Judiciário, no caso o CNJ, traz um alento a mais aos cidadãos em relação aos institutos voltados ao acesso e concretização da verdadeira justiça, na medida em que se amplia as possibilidades de solucionar as contendas de modo mais eficiente e duradoura, já que as partes não ficam mais inertes sem participar ativamente da busca de uma solução mais adequada e condizente à sua vontade.

Deixou-se, assim, de conferir exclusivamente ao Poder Judiciário tal mister, transferindo a responsabilidade também às próprias partes, que muitos anos, tornou-se equidistante do interesse de se fazer Justiça, na medida em que foi criado pelo Estado um órgão específico para dizer o que era justo, sem priorizar soluções extrajudiciais ou as vontades dos interessados.

Em que pese à importância dos meios adequados para firmar a aplicação do sistema das múltiplas portas no Poder Judiciário Brasil, não se pode perder de vista a sua relevância também no âmbito extrajudicial. Com efeito, a conciliação, a mediação, a negocial e arbitragem restaram fortalecidos com a edição da referida norma do CNJ – indicada alhures – a que inclusive se pode atribuir como um marco na seara da resolução de conflitos por mecanismos extrajudiciais, antes de se judicializar uma controvérsia.

A título ilustrativo, atualmente tanto a Lei do Marco Legal da Mediação, no caso a Lei nº 13.140/2015, como também o Código de Processo Civil Brasileiro, que vigora desde o ano de 2016, trouxeram elementos normativos voltados à aplicação dos citados mecanismos tanto na seara judicial quanto na extrajudicial.

O Código Processo Civil, por exemplo, trouxe o fortalecimento dos intitulados métodos adequados na seara extrajudicial, quando estabeleceu em seu art. 3º, §§ 1º e 3º,  respectivamente, que “é permitida a arbitragem na forma da lei” e que “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

 Eis que ao firmar entendimento de forma expressa que deverão tais métodos serem estimulados pela Jurisdição inclusive no processo judicial, o legislador optou por admitir uma interpretação teleológica ao dispositivo no sentido de que o mais relevante é resolver o conflito independentemente do método judicial ou extrajudicial utilizado, e que o estímulo de utilizar deve partir dos agentes que contribuem na concretização do impulso oficial.

No mesmo sentido, quis também o legislador com o advento da Lei nº 13.140/2015,  em seu art. 1º, firmar de modo concreto o fortalecimento de aplicação dos denominados métodos adequados extrajudicialmente, sobretudo ao reconhecer a mediação como meio de solução de controvérsia entre particulares e como meio de autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.

Não há mais que se negar a importância de aplicação dos referidos métodos extrajudiciais como ferramentas eficazes para desafogar o Poder Judiciário, e, também, como impulsionadoras de uma efetiva resolução de conflitos, na medida em que não se buscam somente ganhadores e perdedores, mas sim encontrar uma solução com a participação direta ou indireta das partes.

A propósito, excetuando-se a arbitragem, que será resolvida por uma decisão arbitral com os mesmos efeitos de uma sentença judicial, na mediação, na conciliação ou na negociação,  a resolução do conflito exsurgirá da vontade das partes envolvidas, com o auxílio ou não de um terceiro, que poderá ser um agente estatal ou um particular, seja quando aplicada no modo judicial ou extrajudicial, com o objetivo precípuo de  concretizar a pacificação social, que inclusive está preconizada no preâmbulo da Constituição Federal de 1988.

1.2 A Arbitragem e os seus reflexos na Política Nacional de Resolução de Conflitos de forma adequada no Brasil

A arbitragem, apesar de tratada sempre no rol dos atualmente denominados mecanismos consensuais de resolução, não é propriamente consensual, já que ao final do processamento do feito, será extraída uma decisão que também é nominada de sentença, com efeito de título executivo judicial, assemelhando-se a decisões prolatadas no âmbito processual.

Portanto, quando as partes resolvem de forma voluntária em celebrar uma convenção de arbitragem, mediante uma cláusula compromissória ou compromisso arbitral, comprometem-se a partir de tal momento a submeter-se a tal decisão, abdicando a utilização da via mais comum de resolução de um conflito, que seria a jurisdição com a provocação aos órgãos do Poder Judiciário.

Na arbitragem, apesar de escolhido livremente pelas partes, o árbitro decide a demanda, aplicando o direito ao caso concreto, inclusive com a prolatação de uma sentença, ao contrário dos demais mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos citados, em que as partes encontram as soluções conjuntamente na maioria das situações.

A arbitragem é, portanto, regulada por legislação específica, no caso a Lei nº 9.307/96, também conhecida por Lei de Arbitragem, legislação que trouxe em seus artigos todo o funcionamento e processamento da arbitragem no Brasil, alterada pela Lei nº 13.129/2015, legitimadas inclusive pelo Código de Processo Civil Brasileiro, ao admitir a possibilidade de substituição voluntária da justiça estatal pelo juízo arbitral.

A Lei de Arbitragem preceitua que pessoas capazes de contratar podem celebrar convenção de arbitragem, mediante a cláusula compromissória e compromisso arbitral, com vistas a dispor e resolver controvérsias jurídicas envolvendo direitos patrimoniais disponíveis. Para tanto, as partes poderão escolher livremente um ou mais árbitros de sua confiança, para que processem o feito colocando-o à apreciação.

Ponto relevante a ser considerado é que, após a instituição da arbitragem, as partes demonstram que estão abdicando da apreciação do feito pelo Poder Judiciário, não necessitando, inclusive, que a sentença arbitral seja homologada judicialmente. Assim, a decisão prolatada pelo árbitro não necessita de confirmação do Poder Judiciário para ter validade jurídica e gerar os seus respectivos efeitos.

De conseguinte, a arbitragem resolve a controvérsia atacando diretamente o centro do conflito, servindo para resolver litígios que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, aqueles que poderão ser objeto de disposição por seu titular, como questões comerciais e industriais de modo geral, questões condominiais e imobiliárias, questões pecuárias e agrárias, questões de trânsito de veículos automotores, questões do consumidor, questões de transportes, dentre outras.

Segundo já decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao declarar a constitucionalidade da Lei mediante o Ag. Reg. SE 5.206-7, a instituição da arbitragem não viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição, conforme o qual na forma preceituada no art. 5º, XXXV, estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

O Supremo entendeu, portanto, que a Lei de Arbitragem não viola o mencionado preceito constitucional, tendo em vista o fato de que a sua utilização é de livre escolha das partes, apesar da impossibilidade de o Poder Judiciário interferir, em regra, no procedimento arbitral, pode ocorrer a hipótese de decretação de nulidade da sentença arbitral, à luz do art. 33, caput, da Lei nº 9.307/96. Para tanto, o Judiciário tem o prazo, em regra, de 06 (seis) meses para que essa sentença seja prolatada.

Na arbitragem, existe, assim, a figura de um terceiro imparcial; neste caso, o árbitro, ou árbitros, que funcionam como juízes do conflito social, uma vez que o decidem, exarando uma decisão denominada de sentença arbitral, inclusive com os mesmos efeitos de uma sentença judicial. Não é necessário curso de habilitação de arbitragem para figurar como árbitro, mas, sim, uma pessoa geralmente com expertise na área em conflito, livremente escolhido pelas partes litigantes.

O Poder Judiciário só adentrará ao processo arbitral na hipótese de ser necessária sua anulação por inobservância de formalidades legais, mas nunca em relação ao mérito do que foi decidido. Como a própria Lei de Arbitragem determina, será considerada nula a sentença arbitral quando nula a convenção de arbitragem, emanada de quem não podia ser árbitro, não contiver os requisitos da lei, for decidida fora dos limites da convenção de arbitragem, comprovada que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva e proferida fora do prazo (BRASIL, 1996).

Outro ponto relevante trazido à baila pela Lei nº 13.129/2015 aos preceitos originários da Lei de Arbitragem foi admitir que a Administração Pública, direta e indireta, poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, o que não ocorria anteriormente, já que se restringia somente a particulares, no entanto, não avançou em relação à sua aplicação na seara criminal.

1.3 A Negociação e seus aspectos teóricos

O mecanismo extrajudicial denominado de negociação ocorre principalmente no âmbito dos conflitos empresariais, caracterizando-se basicamente pela inexistência de um terceiro, sendo que o conflito é resolvido pelas próprias partes envolvidas.

O aspecto nodal da negociação dormita no fato de que não há a necessidade de intervenção de uma terceira pessoa, como ocorre em outros mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos, sendo, assim, um meio de solução pelas próprias partes interessadas, que após dialogaram obterão o consenso.

Geralmente, até por sua própria natureza conceitual, a negociação é utilizada para resolver conflitos patrimoniais, envolvendo empresários ou sociedades empresárias, visto que não se necessita de um terceiro para auxiliar as partes conflitantes, sendo elas próprias responsáveis diretamente na resolução da controvérsia. Além disso, na negociação, a presença de um terceiro não é relevante por questões mercadológicas ou comerciais.

Destarte, na negociação há uma conversa direta entre as partes, que se mostram interessadas em resolver o conflito, ao contrário dos demais mecanismos, que comumente têm a presença de um terceiro distinto das partes e estão relacionados a hipóteses de relações contratuais de natureza continuada.

Na negociação, especialmente na forma definida no Brasil, há uma ampla discussão entre as partes até se chegar a um consenso, e possivelmente um acordo corporativo. No entanto, um terceiro participante, diferente das partes, pode até participar do ato em si, no sentido de auxiliá-las, com o intuito de facilitar o diálogo ou as negociações. Mas, na maioria das vezes, são elas próprias que negociam, galgadas por seus interesses, devendo deixar de lado suas posições.

É importante que os interesses influenciem as negociações, visto que, se houver uma predominância de posições, haverá dificuldade de se obter um consenso satisfatório e que atenda efetivamente às partes, porquanto, ao se abstrair as posições, certamente diminuirá o subjetivismo, trazendo objetividade na resolução dos conflitos empresariais ou corporativos ali existentes.

1.4 A Conciliação e a sua inserção na Política Nacional de Solução Adequada de Controvérsias no Brasil

A conciliação consubstancia-se por ser uma forma de resolução de conflito através da intervenção direta de uma terceira pessoa, denominada comumente de conciliador, o qual apontará soluções para a controvérsia, depois de ouvir as partes litigantes. Geralmente está relacionada aos tipos de conflitos sem vínculo emocional entre as partes e de natureza eventual.

Na conciliação, o conciliador tem uma participação ativa na solução da disputa, considerando que opinará, ofertando, assim, às partes litigantes meios de resolução do conflito de forma amigável, sem a necessidade da busca do Estado-Juiz para resolver a controvérsia. O conciliador é um terceiro que dá tratamento adequado ao conflito, apontando soluções viáveis às partes conflitantes.

A conciliação pode ser aplicada fora ou dentro de um processo judicial. Quando realizada fora ou antes do início da deflagração de um processo judicial, é denominada de extrajudicial, porquanto não é conduzida diretamente por um juiz. Além disso, nesse tipo, com a hipótese de não ser levada à homologação judicial, a conciliação pode não gerar efeitos jurídicos, servindo, no entanto, como instrumento de aproximação das partes, que se envolveram em conflito de natureza eventual, sem uma carga emocional relevante.

A homologação do juiz é condição indispensável para que a conciliação extrajudicial possa ser eficiente na solução de controvérsias. O ato judicial não seria uma mera atividade de natureza cartorária, mas, sim, uma análise concreta da real vontade das partes conflitantes.

No que tange à denominada conciliação judicial, a sua importância aumenta, sendo bastante difundida atualmente, sobretudo com o advento da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que instituiu o Código de Processo Civil, ao estabelecer em seu art. 3º, § 3º, que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso de processo judicial.

Estabeleceu, ainda, o novel Diploma Normativo que o conciliador atuará, preferencialmente, nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, como nas questões contratuais e consumeristas. Restou estabelecido também que a mediação será preferencialmente utilizada nos casos em que existir vínculo anterior entre as partes, como as questões de família (BRASIL, 2015).

Antes disso, com fundamento em seu art. 98, I, a Magna Carta já determinava que a União, o Distrito Federal, os Territórios e os Estados deveriam criar juizados especiais com finalidade de resolver conflitos cíveis de menor complexidade e infrações de menor potencial ofensivo, os quais seriam competentes para realizar conciliação (BRASIL, 1988).

Sem dúvida, no momento de sua promulgação, a Constituição apresentava indicativos de que a conciliação já deveria ser uma política pública a ser fomentada, não só no que tange a causas cíveis de menor complexidade, como também em relação a crimes com pouca repercussão na sociedade, que poderiam ser plenamente transacionados, já que admitiam inclusive a desistência das partes na hipótese do não ajuizamento de ação penal privada ou da ausência de representação quando for condição de procedibilidade.

E, então, com a edição da Lei nº 9.099/95, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais foram legitimados como meios jurisdicionais eminentemente voltados à conciliação, admitindo-se sua utilização, inclusive na seara criminal, com a instituição composição civil dos danos ou da transação penal (BRASIL, 1995).

Admite-se também no nosso Ordenamento Jurídico a conciliação extraprocessual, quando se permite o acordo extrajudicial, caso em que efetivamente a conciliação é realizada fora das estruturas inerentes ao Poder Judiciário. Nestes casos, como já se disse, para ter força de título executivo faz-se mister que o acordo celebrado seja homologado perante o juiz.

Poder-se-á perceber que a conciliação e a mediação são muito semelhantes, no entanto, com uma linha tênue de diferença, representada pelo fato de que, na primeira, o conciliador será parte ativa na resolução da disputa, ao tentar demonstrar o melhor às partes na sua solução. Já na segunda, o mediador tem como um dos seus objetivos primordiais a pacificação do conflito social através da facilitação do diálogo, até então inexistente.

Na conciliação, existe a figura de um terceiro imparcial, no caso, o conciliador, que também não decide o conflito social, mas aponta às partes os melhores meios de solução daquele conflito social apresentado. No entanto, como se verá, o mediador não interfere nem se posiciona, mas somente facilita o diálogo entre as partes litigantes.

No âmbito criminal, um dos objetivos primordiais da criação e da aplicação de instrumentos processuais relacionados a efeitos conciliatórios ou de busca do consenso, sobretudo nos Juizados Especiais Criminais, foi a necessidade de instituir medidas despenalizadoras, com o fito de firmar uma nova política de redução da criminalidade e diminuição de encarcerados, concernente essa última ao Sistema Penitenciário Brasileiro.

2. A CONCEITUAÇÃO DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E O SEU ALCANCE SOCIAL

A história da mediação de conflitos no Brasil, como mecanismo alternativo, consensual ou adequado de resolução de conflitos ou disputas, remonta a um passado muito recente, notadamente nos primeiros anos da década de 90, quando estudiosos de outros países, principalmente europeus e Estados Unidos, passaram a proferir palestras, apresentando a eficiência da mediação de conflitos, máxime pelo fato de fazer as partes participarem ativamente da busca de alternativas e soluções viáveis na resolução de controvérsias.

Na mediação, a terceira pessoa não intervém diretamente, deixando que os próprios envolvidos encontrem uma solução para a controvérsia jurídica. Afigura-se extremamente relevante para o sucesso do processo de mediação que o mediador tenha a expertise e a paciência de fazer as pessoas as refletirem e encontrarem uma solução para o conflito, colocando-se muitas vezes no lugar do outro, de forma empática.

Em muitas ocasiões, o conflito nasce pelas dificuldades que as partes têm de dialogar, sendo indispensável, assim, que um terceiro intervenha e influencie na facilitação do diálogo entre os agentes. De efeito, a mediação funciona como uma ponte de facilitação do diálogo e pacificação social.

De efeito, a mediação é vantajosa por não se limitar diretamente à resolução da lide, mas com objetivos bastante delineados de facilitar o relacionamento entre as pessoas, com sua preservação empós a solução do conflito.

Entende-se, assim, que mediação inter-relaciona-se com princípios de várias ciências, tais como o Direito, a Psicologia, a Filosofia e a Antropologia e ainda com uma abordagem mais ampla do conflito social apresentado.

Na mediação, por conseguinte, existirá a figura do mediador, que, por sua vez, não decidirá o conflito social apresentado pelos envolvidos, mas tentará pacificá-las, facilitando o diálogo entre eles, o que sequer existia, porquanto os litigantes naquele conflito social não mantinham qualquer forma de diálogo.

Portanto, vê-se que a mediação de conflitos difere um pouco dos demais mecanismos consensuais ou alternativos de resolução de conflitos sociais, uma vez que se buscará sobretudo a facilitação do diálogo, inexistindo, portanto, qualquer decisão ou interferência direta na busca de soluções para o conflito social, mas as próprias partes procurarão respostas para a controvérsia.

Para Paashaus e Caetano (2006, p. 183), a mediação deverá ser assim tratada em relação a outros métodos:

Para a mediação, como na arbitragem, é de sua natureza que as partes queiram submeter-se a seu processo, e contratem a pessoa do mediador, mesmo por meio de um órgão institucional ou uma entidade especializada. Difere, todavia, da arbitragem, e muito, porque na mediação as partes não se colocam em posições de confronto, mas em posição de colaboração.

Na procura de uma solução ao conflito instalado, as partes, interessadas em sua resolução, construirão conjuntamente um consenso que seja viável aos seus reais interesses. Nesse escopo, elas próprias tentarão encontrar a melhor forma de pacificação do conflito, sendo indispensável a presença de um mediador habilitado, que as auxiliará na resolução da controvérsia, tentando fazê-las refletir acerca dos resultados esperados e dos são mais viáveis, fomentando uma reflexão interior, que muitas vezes os interessados não enxergam.

Nesse ponto, a mediação de conflitos exercerá um papel fundamental, visto que através dela se buscará a real pacificação social das partes, o que é comum não ocorrer com uma decisão judicial. Isto porque uma das partes decerto não ficará satisfeita com a decisão final, por ser desfavorável aos seus desejos ou interesses.

Por fim, para que mediação seja efetivada é indispensável a observância de algumas diretrizes o que se costumeiramente denomina-se de princípios, os quais em conformidade com o art. 2º e incisos, da Lei nº 13.140/2015 – Marco Legal da Mediação – seriam: imparcialidade do mediador; isonomia entre as partes; oralidade; informalidade; autonomia de vontade das partes; busca do consenso; confidencialidade; boa-fé.

Trazendo à baila tais preceitos, evidencia-se que a mediação se pauta pela informalidade dos atos, sem a observância, como regra, de um formalismo exagerado, tratando-se de forma igualitária as partes sem diferenças e buscando o equilíbrio e o consenso, desde que seja a vontade dos envolvidos e de forma sigilosa, sem a necessidade de discutir teses jurídicas, mas soluções para o conflito, de modo sobretudo a não falsear a verdade.

2.1 O marco legal da mediação de conflitos no Brasil

No Brasil, começou-se a pensar em normatizar a mediação de conflitos a partir do Projeto de Lei nº 4827/1998, apresentado pela Ex-Deputada Federal Zulaiê Cobra, que institucionalizava e disciplinava a mediação como método de prevenção e solução consensual de conflitos. Dentre outros aspectos, tal projeto estabelecia que a mediação seria uma atividade técnica exercida por uma terceira pessoa, a qual, escolhida ou aceita pelas partes interessadas, escutava-as e orientava-as, com o propósito de lhes permitir de modo consensual a prevenção ou a resolução dos conflitos.

Todavia foi o Conselho Nacional da Justiça, órgão responsável pelo controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como por zelar pela observância do art. 37 da Constituição da República, inclusive editando normas complementares a serem observadas pelos órgãos jurisdicionais, na já citada Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, que estabeleceu, entre os seus ditames, que a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios.

Com isso e com a apropriada aplicação de tais instrumentos em programas já implementados no país, será demonstrada uma redução da excessiva judicialização dos conflitos de interesses e da quantidade de recursos e de execução de sentenças.

Da mesma forma, o novo Código de Processo Civil Brasileiro – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – que vigora a desde março de 2016, confere a devida importância à mediação de conflitos no processo judicial, inserindo-a de forma expressa no Ordenamento Jurídico Normativo Pátrio, quando estabeleceu que sua aplicação deverá ser estimulada pelos juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

No que tange à questão normativa, também merece destaque, como já se disse, a Lei Federal nº 13.140, de 26 de junho de 2015, publicada no Diário Oficial da União de 29 de junho de 2015, que enfatizou, sobretudo, aspectos extrajudiciais, dispondo sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública. 

Pode-se alocar com destaque a questão da mediação extrajudicial e da mediação judicial, ou seja, propõe-se que os próprios tribunais criarão espaços próprios para mediação, conforme se depreende do artigo 24 da Lei última citada, que “os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, pré-processuais e processuais, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.”(BRASIL, 2015)

Portanto, finalmente, com o advento de normas expressas acerca da mediação de conflitos, conferiu-se maior segurança na sua aplicação por muitos operadores de direito no Brasil, que ainda seguem estritamente uma visão eminentemente positivista, somente atribuindo a devida relevância e importância aos institutos jurídicos quando respaldados por normas expressas, apesar do seu amplo fortalecimento ao longo dos anos no país, como, por exemplo, com a criação de núcleos comunitários de mediação de conflitos.

Ponto a ser considerado também é que, apesar da informalidade, costumeiramente indica-se que a mediação de conflitos segue um padrão no tocante ao procedimento, como, por exemplo: a pré-mediação, a declaração de abertura, a exposição dos fatos (relato das histórias); o resumo do caso; a definição da pauta de trabalho; a realização de sessões individuais; a ampliação de alternativas; sessão conjunta ao final; a redação do acordo e a leitura do termo.

No entanto, ao contrário do processo judicial, tanto na mediação quanto na conciliação, seja judicial ou extrajudicial, não se segue uma forma pré-determinada em Lei, ficando, na grande maioria das vezes, a definição das partes acerca do processamento, a fim de atingir de modo eficiente uma resolução ao conflito.

2.2 Técnicas aplicáveis à Mediação de Conflitos

Na aplicação da mediação, há de ser considerada a utilização de algumas técnicas pelo mediador, dentre as quais destaca-se: declaração de abertura, escuta ativa, recontextualização, enfoque prospectivo, produção de opções, rapport e sessões individuais.

Na declaração de abertura, o mediador contextualiza a mediação, explicando às partes envolvidas o seu procedimento, a relevância da informalidade, a prevalência da autonomia da vontade e que a resolução da controvérsia ali apresentada dar-se-á por intermédio de solução a ser construída pelas próprias partes, e que também não figura na condição de Juiz, sendo, portanto, imparcial.

Com a escuta ativa, o mediador conduz o diálogo ouvindo as partes, atentando especialmente a linguagem não verbal, tais como, gestos, posturas e reações, buscando sobretudo que os mediados revelem os seus interesses verdadeiros, despidos de suas posições, que muitas vezes não representam a realidade. Desta feita, o mediador escutará atentamente quem fala não somente com os ouvidos, mas dando relevância a todos os sentidos demonstrados no momento das explanações das partes envolvidas, estimulando-se a expressar suas emoções, instigando-as a ouvir uma à outra.

Na recontextualização ou parafraseamento, outra técnica utilizada, o mediador, após ouvir as exposições atentamente, realiza uma paráfrase dos pontos relevantes abordados, resumindo os fatos de forma precisa, a fim de evitar qualquer dúvida entre as partes e para que consigam encontrar um consenso. 

Com o enfoque prospectivo, o mediador tentar estabelecer limites às partes em relação ao passado e na busca de soluções para o futuro, deixando clarividente também que não se discutem direitos ou teses jurídicas naquele momento, mas uma resolução ao conflito, de modo a assegurar o consenso e a vontade dos interessados.

Por conta da produção de opções, o mediador fomenta o diálogo entre as partes de modo a encontrarem caminhos para solucionar a controvérsia, não lhe cabendo, no entanto, opinar e/ou recomendar, mas trazendo perguntas abertas pelo que foi apresentado, trazendo uma reflexão. Percebe-se, assim, que o interesse dos envolvidos em encontrar soluções, mas que estão com dificuldades de alcançarem um consenso.

O rapport, por sua vez, configura-se por uma técnica oriunda da psicologia que tenta fortalecer e criar uma ligação de sintonia e empatia entre as partes, buscando-se uma conexão, praticando o chamado “espelhamento”, massageando o ego dos envolvidos e fazendo com que um se coloque no lugar do outro, inclusive com troca de papéis, se for o caso.

A técnica das sessões individuais também denominadas de “caucus”, há uma conversa privada com apenas uma das partes, sendo o momento em que a pessoa pode contar situações ou fatos que não mencionou no momento da sessão de mediação e com a presença da outra parte.

Por fim, há de se salientar que as técnicas de mediação retro citadas também poderão ser utilizadas no dia a dia da atividade policial, podendo ser aplicada em outros métodos ou situações que necessitam de uma maior participação dos envolvidos, inclusive na conciliação extrajudicial e/ou na negociação, o que poderá ser inclusive realizada pela Polícia Civil, exercendo uma função pacificadora e sob o manto das legislações vigentes.

3. OS INSTRUMENTOS CONSENSUAIS NA FASE PRÉ-PROCESSUAL E A ATIVIDADE POLICIAL PACIFICADORA

 A Polícia advém da necessidade de o Estado estabelecer limites ao pleno exercício da cidadania. Compete, portanto, ao cidadão a possibilidade de exercitar de forma efetiva o seu direito de ir e vir, ficando, no entanto, tal direito limitado aos regramentos estatais, que são assegurados pelo exercício do poder de polícia, sob o viés eminentemente administrativo, ou então na execução de atividades repressivas ou ostensivas, na atividade policial propriamente dita. Portanto, a atividade de polícia repressiva ou administrativa tem por desiderato limitar os direitos exercidos pelos cidadãos aos regramentos estatais.

Pode-se, então, dividir a atividade policial em duas classes, quais sejam, a polícia de segurança e a polícia administrativa, entendendo-se a primeira como aquela que tem por objetivo defender imediatamente os direitos dos indivíduos e do Estado, sendo a de natureza administrativa considerada a polícia que protege precipuamente a boa ordem da coisa administrativa, dividindo-se, por conseguinte, a polícia administrativa em tantos ramos quantos sejam os que são admitidos como sustentáculos da administração pública (CRETELLA JUNIOR, 1986, p. 7).

A polícia exerce o papel relevante de exteriorizar, através de seus agentes, a atuação do Estado, limitando, por exemplo, através de seu poder, a atuação indiscriminada na sociedade, originando, assim, o poder de polícia. Sem a sua existência, os cidadãos ficariam livres para praticar os seus atos indiscriminadamente pelo uso da força, retornando à origem da consolidação social, quando se predominava a autotutela, consubstanciada pela inexistência de um julgador equidistante das partes e pelo poder do mais forte ou do mais astuto.

Eis que o seu papel fundamental de regular ou até mesmo limitar a atuação do cidadão tenta imprimir o respeito ao direito de outrem, trazendo benefícios de extrema relevância à atuação estatal, na medida em que faz a força impositiva do Estado estar presente e atuar para garantir equilíbrio nas relações sociais.

Com efeito, é de natureza do próprio conceito e da concepção da polícia repressiva e não administrativa a ideia do controle social, relacionada muitas vezes ao combate direto à prática criminosa. No entanto, a sua função não deve se resumir somente a tal postura de combate direto ao crime, mas também deve estar relacionada a ações concernentes à prevenção de crimes e a uma postura mais ativa na institucionalização de políticas públicas de pacificação social.

No Brasil, por conseguinte, a polícia repressiva faz-se presente mediante a existência de alguns órgãos policiais e agentes, previamente instituídos constitucionalmente, com campo de atuação e atividade também definidos legalmente, imbuídos de praticar a atividade policial de acordo com o que prevê a Lei. 

3.1 A estruturação da polícia civil no Brasil e sua função pacificadora

As atividades coercitivas de polícia ostensiva e repressiva no Brasil são exercidas pelos órgãos especificamente discriminados no art. 144 e incisos da Constituição Federal de 1988, tais como: polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares; corpos de bombeiros militares; policiais penais federal, estaduais e distrital  (BRASIL, 1988).

A Polícia Civil, por sua vez, dentro do contexto normativo a que está inserida, funciona como responsável para apurar a autoria e a materialidade delituosa logo depois que o crime acontece. Sua área de atuação está restrita ao âmbito estadual, ficando a apuração de tais condutas, em nível federal, a cargo da Polícia Federal. É, pois, função primordial da Polícia Civil fazer a apuração do crime logo depois que ele acontece ou então adotar medidas de prevenção criminosa, através de minucioso trabalho de inteligência policial, tentando realizar levantamentos prévios para subsidiar ações repressivas de outras forças policiais.

Como se vê, a Carta Maior tratou expressamente estabelecer e discriminar o campo de atuação dos órgãos de segurança pública do Brasil, consignando de forma inequívoca que, por exemplo, à polícia civil, dirigida por delegados de polícia de carreira, há a incumbência das funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as de natureza militar, utilizando como documento primordial o inquérito policial.

Com efeito, a polícia civil deverá exercer um papel fundamental na consolidação de novas áreas de atuação, já que a delegacia de Polícia Civil é, na grande maioria dos casos, o órgão do poder público que está mais presente no sentimento e no ideário dos cidadãos no que se refere à repressão de exageros ou ilícitos praticados no âmbito das relações sociais.

No entanto, a polícia civil não deve exercer somente a função prioritária de apurar a autoria e materialidade delituosa, mas tem que participar ativamente também nas resoluções dos conflitos. Isto porque, quando a população procura uma Delegacia de Polícia Civil para resolver qualquer tipo de problema, inclusive aqueles de natureza não delituosa, ela espera e almeja uma resposta imediata, que muitas vezes não é a prisão ou a repressão direta, mas a facilitação de um diálogo, a fim de se evitar um conflito.

Ora, não deixa de ser um desafio intrigante tornar a delegacia de polícia, espaço primordial da Polícia Civil, um local apropriado para o exercício da cidadania, seja através de criação de núcleos consensuais de controvérsias, seja na promoção de ações voltadas aos Direitos Humanos, ou até mesmo no resgate da identidade pessoal dos cidadãos. Isto, claro, sem perder de vista a função precípua desse tipo de órgão de segurança pública.

Assim sendo, a nova visão de Polícia Civil Comunitária é por demais relevante na medida em que, além da interlocução direta com as comunidades, através dela é possível conhecer os problemas que acarretam o surgimento da criminalidade em sua origem, facilitando a implementação de ações efetivas no combate ao crime. Isto porque, a partir do momento em que se instituir uma relação de confiança, a própria comunidade contribuirá na elucidação de crimes, acreditando, por exemplo, que uma denúncia formulada poderá, sim, gerar o resultado esperado.

Não se deve pretender, esclareça-se, relegar ao segundo plano a atuação primordial da Polícia Civil na repressão à criminalidade, máxime na apuração da autoria e materialidade delitiva, mas, sobretudo, admitir também que possa participar concretamente da implementação de políticas e ações voltadas ao policiamento comunitário, dentro de uma nova perspectiva mundial de tratamento dos conflitos e elucidação dos crimes com a efetiva participação da população, porquanto ao sentir-se mais próxima, contribuirá efetivamente com a Polícia.

3.2 Conflitos cabíveis nos métodos consensuais e adequados de resolução de conflitos no Brasil no âmbito da Polícia Civil

O estudo dos conflitos que podem ser resolvidos através dos mecanismos adequados ou consensuais de resolução de conflitos, não deve partir de um fundamento objetivamente estabelecido e firmado na legislação, mas, sim, da própria natureza e característica do conflito e das partes envolvidas, dispostas a buscar outros instrumentos, e não o Poder Judiciário, para a resolução de seus litígios.

A propósito, quando as partes de se disponibilizam a comparecer junto a outros órgãos com a finalidade de solucionar seus conflitos, já demonstram o entendimento de que não é somente o Poder Judiciário o único e exclusivo meio para que as demandas sejam resolvidas de forma satisfatória.

É evidente, no entanto, que há conflitos de natureza eminentemente indisponível, que não podem ser solucionados ou transigíveis pelas partes interessadas, ficando vinculados integralmente à reserva de jurisdição. Todavia, se o conflito comporta por sua própria natureza a utilização de métodos autocompositivos, poder-se-á utilizar a mediação, a negociação e a conciliação, ou até mesmo as técnicas que lhes são peculiares.

Ocorre que, mesmo no âmbito da esfera criminal, que antigamente era pautada por conceitos e parâmetros consideravelmente indisponíveis, por respeito a uma nova política criminal e penitenciária, atualmente vem se admitindo a utilização de métodos ou técnicas autocompositivas, mormente na hipótese de infrações de menor potencial ofensivo. Nesse sentido, arremata Grinover (2005, p. 35):

Em matéria criminal, a conciliação vinha sendo considerada inadmissível, dada a absoluta indisponibilidade da liberdade corporal e a regra nulla poena sine judicio, de tradicional prevalência na ordem constitucional brasileira. Nova perspectiva abriu-se com a Constituição de 1988, que previu a instituição de “juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução…de infrações penais de menor potencial ofensivo…permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau” (art. 98, inc. I). E agora, nos termos da lei federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, atinente aos juizados especiais e criminais, já são admissíveis a conciliação e a transação penais, para a maior efetividade da pacificação também em matéria penal.
Ora, até a barreira doutrinária e legal já foi ultrapassada no Brasil para fins de utilização de métodos autocompositivos ou consensuais, demonstrando que há uma busca da eficiência processual, que não se resume somente à atuação do Poder Judiciário, que deixou de ser no país a única e quase exclusiva forma de se solucionar conflitos. Então, é por demais relevante a sua utilização em quaisquer tipos de conflitos, desde que comportem uma solução consensual por sua própria natureza. Desse modo, ao consolidar-se o estudo contemporâneo de aplicação de tais mecanismos na resolução de conflitos, em especial da mediação, fortaleceu-se a ideia do sistema de múltiplas portas ou multiportas do direito americano, defendido em conferência no ano de 1976, pelo professor emérito de Direito da Universidade de Harvard, Frank Sander, o qual é retratado da seguinte forma no magistério de Costa (2014, p. 61):
Nessa ideia, o Judiciário seria um centro de resoluções de disputas, com processos distintos agregados, sendo, por isso, denominado como Multidoor Courthouse (Fórum de Múltiplas Portas). Ressalte-se que a proposta inicial de Sander não vinculava as multiportas ao Poder Judiciário. Contudo, o professor reconhece que sendo os fóruns o local que mais congrega uma multiplicidade de conflitos, há mais chance de êxito dessa ideia se colocada em funcionamento dentro da estrutura do Judiciário. Por essa proposta, devem ser consideradas as características específicas de cada conflito para escolher-se o método de solução adequado. A análise do mecanismo adequado seria feita antes do ajuizamento da ação ou mesmo no curso da lide. [..]

Não há, portanto, conflito específico para ser tratado através de mecanismos consensuais, adequados ou autocompositivos, devendo ser levado em consideração se a sociedade deseja que sua solução para as suas questões seja encontrada não através do Poder Judiciário, mas por outros meios, inclusive sem a interferência direta do Estado, sobretudo quando de forma voluntária procura órgãos do Ministério Público, Defensoria Pública e, em especial, as delegacias de Polícia Civil para resolvê-las.

É fato que existem matérias ou conflitos que não podem se sujeitar a métodos autocompositivos ou consensuais, tais como infrações penais graves, submetidas à Ação Penal Pública Incondicionada, ou então, na seara civil, na hipótese daquelas situações incluídas nos direitos da personalidade. Isto porque tais situações são limitadas pelo primado da indisponibilidade estatal. No entanto, quando o conflito, por sua natureza, admite a sua utilização daqueles métodos adequados, o Estado deverá facilitar a sua aplicação.

Por conseguinte, a utilização de técnicas ou propostas de mediação ou conciliação no âmbito das delegacias de Polícia Civil é um desafio que o Brasil pode enfrentar, com a coragem de aplicá-las, o que contribuirá para tornar tais espaços ambientes voltados para a cidadania e de efetiva resolução e gerenciamento de conflitos.

3.3 A possibilidade de integração da atividade policial civil com a solução consensual de conflitos

A política criminal, no âmbito da atividade policial, apesar de ser prioritário, não deve ser pautada somente na realização de investigações para se buscar a autoria e materialidade, como é o caso do trabalho desenvolvido pela Polícia Judiciária, ou então no papel ostensivo desenvolvido em nível estadual pela Polícia Militar, mas também na busca de mecanismos de aproximação da sociedade, como já se disse alhures, mediante o policiamento comunitário e a inserção de novas competências e atribuições, tais como a capacitação e concretização de instrumentos consensuais.

Nesse sentido, surge a ideia de pensar a possibilidade de inserir práticas restaurativas, mediante métodos voltados à busca do consenso, no âmbito da delegacia de Polícia, visto ser este um local procurado pelas pessoas, muitas vezes, para a resolução de seus conflitos, muitos dos quais não são logo solucionados simplesmente por falta de um simples diálogo.

Assim, o policial civil, ao prestar o atendimento à população, poderá ser capacitado para fomentar a busca do consenso e da pacificação social, tornando, como já se sustentou, a delegacia de Polícia Civil um lugar de desenvolvimento da cidadania e da resolução de conflitos de maneira eficiente, retirando-lhe a ideia de que somente com repressão poder-se-á combater a criminalidade e reduzir a violência.

Em sendo assim, o Poder Judiciário trataria de resolver diretamente conflitos de natureza mais grave ou indisponível, deixando pequenos conflitos a cargo das delegacias de Polícia, pois são gerenciadas inclusive por profissionais com conhecimento jurídico, que poderiam tratar da triagem das demandas que poderiam ou não ser objeto de tratamento por um método consensual ou adequado, evitando-se muitas vezes a denominada “espiral do conflito”, ou seja, quando mais demorada a forma de tratá-lo mais grave ele se tornará. Para Andreucci (2013, p. 256):

[…] o delegado de polícia conciliador, lançado mão de seus conhecimentos teóricos e práticos do Direito, acumulados ao longo de sua formação jurídica e experiência profissional, com conhecimentos de psicologia social e de métodos alternativos de solução de conflitos, se apresenta como profissional mais qualificado para o equacionamento e solução de microconflitos interpessoais, em instância antecedente ao inquérito policial ou ao termo circunstanciado, nesta precisa ferramenta resultante da fusão entre juizados de conciliação e justiça terapêutica.

A bem da verdade, são apresentadas diariamente ao delegado de Polícia Civil e sua equipe de policiais, fazendo parte do cotidiano da delegacia, infrações de menor potencial ofensivo ou conflitos que não têm natureza sequer criminal. Esses conflitos podem ser solucionados por simples diálogo, figurando, assim, como vetor de pacificação social e passando a exercer a função relevante de primeiro garantidor da justiça.

Não é por acaso que, muitas vezes, o cidadão procura a delegacia de Polícia Civil para resolver um conflito que até mesmo não é nem de natureza criminal. Mas, influenciado pelo desejo de ver solucionado de imediato a sua controvérsia, com o sentimento de que naquele local existe uma autoridade pública. Nesse contexto, a delegacia é vista como o órgão público que a população considera mais próximo e presente na vida da comunidade. Para tanto, afirma Nunes (2010, p. 116):

Uma polícia com atividades meramente repressoras não gerará uma sociedade pacífica. Daí a proposição da mudança de paradigma tanto no tocante a formação do policial, com base nos direitos humanos, se faz necessária, a fim de que este se entenda como detentor de dignidade e consiga visualizar o próximo da mesma forma, quanto estruturalmente, quando da implantação de núcleos de mediação junto às delegacias, a fim de que por meio do diálogo e da cooperação entre as partes possa se chegar a uma recrudescência considerável de conflitos e, consequentemente de violência e criminalidade.

Uma nova mudança de paradigma nesse sentido somente ocorrerá se aumentar a credibilidade da população perante a atuação da polícia civil, cujo novo sentimento será adquirido na medida em que a população enxergar a Delegacia de Polícia Civil com um equipamento público que também é voltado ao exercício pleno da cidadania, o que poderá ser adquirido, por exemplo, com a instituição de núcleos de busca de consenso nas referidas unidades policiais, com o fito de resolver conflitos extrajudicialmente.

3.4 A concretização da função policial civil pacificadora com o advento da Lei nº 9.099/95

Uma das principais formas de ser exercida plenamente uma função pacificadora pela Polícia Civil é mediante a aplicação dos institutos trazidos ao Ordenamento Jurídico pela Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no Brasil.

No referido Diploma Normativo, dentre outros aspectos de índole pacificadora, restou expressamente definida a instituição de uma audiência preliminar, na qual, quando presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, será esclarecida pelo Juiz sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade. (BRASIL, 1995, art. 72). Mirabete (2000, p. 105) apregoa que:

[…] na audiência, a vítima procurará comprovar os danos materiais acarretados com a prática do ilícito, apresentando, para tal, eventualmente, documentos ou outros elementos de prova. De outro lado, deve ser permitido ao autor do fato impugnar as alegações da vítima, com o intuito de comprovar a inexistência de dano ou sua menor extensão. Arremeta que cumpre, porém, observar que a conversação é informal, devendo ser rápida, serena e no sentido de conciliar os interesses das partes, não de propiciar discussões ou aumentar antagonismos ou rivalidades. Nesse sentido, deve ser a atuação do conciliador.

Destarte, com a instituição da denominada audiência conciliatória preliminar, composição civil dos danos, transação penal e suspensão condicional do processo, ou seja, mecanismos despenalizadores trazidos com a vigência da denominada Lei dos Juizados Especiais, passou-se a admitir, de forma expressa no Brasil, a pacificação no Direito Penal, o que até então não existia, havendo somente uma mera previsão genérica na Constituição Federal.

De acordo com Grinover (2005, p. 50), ao comentarem a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais:

[..] a Lei 9.099/95 não cuidou de nenhum processo de descriminalização, isto é, não retirou o caráter ilícito de nenhuma infração penal. Mas disciplinou, isso sim, quatro medidas despenalizadoras (que são medidas penais ou processuais alternativas que procuram evitar  a pena de prisão): 1ª) nas infrações penais de menor potencial ofensivo de iniciativa privada ou pública condicionada, havendo composição civil, resulta extinta a punibilidade (art. 74, parágrafo único); 2ª) não havendo composição civil ou tratando-se de ação pública incondicionada, a lei prevê a aplicação imediata de pena alternativa (restritiva ou multa) (transação penal, art. 76); 3ª) as lesões corporais culposas ou leves passaram a exigir representação da vítima (art. 88); 4ª) os crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano permitem a suspensão condicional do processo (art. 89).

A Magna Carta trouxe a previsão legal de que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados deveriam criar os denominados juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau (BRASIL, 1988, art. 98, I).

Com tal previsão, o legislador constituinte pretendeu atribuir maior efetividade e celeridade aos processos que envolvessem infrações de menor potencial ofensivo, consideradas estas as relacionadas a contravenções e aos crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa, priorizando, assim, a conciliação e os métodos autocompositivos no âmbito criminal, sempre que possível, o que se denominou de medidas despenalizadoras.

Sendo assim, no que tange ao processamento das infrações penais consideradas de menor potencial ofensivo, que são, para tanto, as contravenções penais e os crimes para os quais não seja cominada pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, a Lei estabelece, em sua fase preliminar, que a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários (BRASIL, 1995, art. 69).

Em conformidade com a análise de Nogueira (2000, p. 78-79):

[…] autoridade policial é somente o delegado de polícia, a quem cabe não só elaborar o termo circunstanciado a ser remetido a juízo, como também fazer ou não o flagrante, quando for o caso; tomar o compromisso do autor do fato a comparecer em juízo; determinar os exames periciais e outras providências que se tornarem necessárias, que não estão afetas aos agentes policiais, inclusive a militares.

Segundo se extraiu da dicção da própria Lei nº 9.099/95, o papel do delegado de Polícia Civil na fase pré-processual é atualmente exercido de forma suplementar, visto que, ao tomar conhecimento da infração de menor potencial ofensivo, cuidará de encaminhar as partes envolvidas de imediato à Unidade do Juizado Especial ou então fazê-las assinar de imediato um Termo de Compromisso de Comparecimento à unidade jurisdicional competente.

Ao comentar os tais preceitos normativos, Badaró (2014, p. 461) sustenta também que:

[…] na prática, raramente acontece a hipótese legalmente prevista de que, após a lavratura do termo circunstanciado, a autoridade policial o encaminhará imediatamente ao Juizado,  com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários, sendo que, na maioria das vezes, as partes são liberadas pela autoridade e, posteriormente, são intimadas a comparecer à audiência preliminar.

Por seu turno, uma maneira efetiva de desburocratizar a resolução de infrações de menor potencial ofensivo e impedir uma demora processual é a realização de transações penais ou composição civil dos danos nas delegacias de Polícia Civil, sujeitas à apreciação do Órgão do Ministério Público e homologação do Poder Judiciário, através da criação de Núcleos de Soluções Consensuais e/ou de Mediação nas próprias Delegacias.

Há inclusive projetos em tramitação no Congresso Nacional em tal sentido, como o apresentado na Câmara dos Deputados pelo deputado federal João Campos (Partido da Social Democracia Brasileira – Goiás (PSDB-GO)), registrado sob número 1028/2011, que pretende alterar a redação dos artigos 60, 69, 73 e 74, da Lei nº 9.099/95, possibilitando a composição preliminar dos danos oriundos de conflitos decorrentes dos crimes de menor potencial ofensivo pelos delegados de polícia, instituindo a figura do Delegado Conciliador.

No mesmo sentido, o Senado Federal, cuida o projeto de lei nº 133/2011, da lavra do Senador Humberto Costa (Partido dos Trabalhadores – Pernambuco (PT – PE)), que altera a redação dos artigos 60, 69, 73 e 74 da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) para estabelecer a competência do delegado de polícia para a tentativa de composição preliminar dos danos civis oriundos do conflito decorrente dos crimes de menor potencial ofensivo, determinando que a autoridade policial que tomar conhecimento desse tipo de infração encaminhará à delegacia de Polícia as pessoas envolvidas, as testemunhas e os objetos que interessam à prova, ou tomará as providências necessárias para o devido registro dos fatos e o compromisso do comparecimento do autor à presença do delegado, na tentativa de oportuna composição do dano civil oriunda do conflito.

 Nas justificativas dos mencionados projetos, resta claramente consubstanciado que é a Delegacia de Polícia Civil o órgão procurado pelo cidadão muitas vezes para resolver algum tipo de problema, mesmo que de natureza não criminal, porquanto sendo o primeiro local procurado para resolução de qualquer tipo de conflito, mesmo que de natureza não criminal.

Para resolver tal questão, seria de grande importância a criação de núcleos de soluções consensuais nas Delegacias de Polícia Civil do Estado do Ceará, com o objetivo de implementar não só políticas pacificadoras voltadas às resoluções de conflitos de natureza civil, que surgem corriqueiramente nas delegacias, como também viabilizar um tratamento rápido e eficaz aos conflitos que envolvam infrações de menor potencial ofensivo.

Ressalte-se que, no último caso mencionado, poder-se-ia fazer uma composição civil dos danos ou até mesmo transação penal, devidamente subscrita por delegado de Polícia Civil, com a posterior ciência do Ministério Público e homologação do Poder Judiciário.

Efetivamente, se o tratamento do conflito apresentado ocorresse logo no momento das delegacias, além de se evitar um acirramento no conflito, ainda se poderia encontrar um caminho consensual mais rápido e eficiente, visto que, muitas vezes, as partes diretamente envolvidas em conflito de natureza civil ou sujeitas aos preceitos dos Juizados Especiais Criminais querem somente um facilitador do diálogo, como se tem já alguns exemplos no Brasil de situações assemelhadas.

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CONCLUSÃO

Diante do que foi demonstrado resta clarividente que não se pretende sustentar que a Polícia Civil deixa de exercer o seu papel fundamental, que é a fase da investigação na persecução criminal, mas estabelecer premissas acerca da possibilidade de fortalecer também a função consensual na Sociedade, tornando-se referência no fortalecimento da cidadania, à medida que expande a utilização de métodos e ferramentas consensuais a fim de resolver pequenos delitos ou até mesmo infrações penais de menor potencial ofensivo, sem a necessidade de movimentação do Poder Judiciário.

Nesse sentido, demonstrou-se que não há mais o momento oportuno de pensar a segurança pública de forma isolada, sem a participação da sociedade, mas, sim, a possibilidade de estabelecer políticas por meio das quais o cidadão possa também participar ativamente na solução de conflitos mais simples, como é caso das infrações de menor potencial ofensivo, ou então de medidas de prevenção e repressão à criminalidade.

Com efeito, a instituição dos mencionados métodos adequados ou consensuais nas próprias Delegacias de Polícia Civil, além de sua relevância no tocante à concretização do policiamento comunitário, segue uma tendência nacional no âmbito do sistema de justiça, visto que o Poder Judiciário atualmente prioriza a aplicação da negociação, da mediação e da conciliação na resolução de conflitos.

Restou firmado, então, que tal reconhecimento partiu do próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao editar a Resolução nº 125/2010, onde estabeleceu de forma peremptória que os órgãos integrantes do Sistema de Justiça devem priorizar a aplicação dos meios consensuais de resolução de conflitos, os intitulando inclusive de adequados, considerando-os uma forma correta e eficiente de se alcançar a Justiça.

Seguindo tal direcionamento do CNJ, destacou-se que a Polícia Civil, na condição de responsável por contribuir na elucidação de crimes dentro do sistema de justiça, mormente na busca da autoria e materialidade, também não poderá deixar de instituir os métodos adequados quando envolver infrações de menor potencial ofensivo ou condutas atípicas, que muitas vezes são apresentadas às delegacias e transformadas desde logo em Termos Circunstanciados de Ocorrências e enviados às Unidades dos Juizados Especiais Criminais.

Entrementes, o encaminhamento ao Juizado Especial Criminal poderá demorar de forma considerável até a efetiva resolução do conflito criminal apresentado, acarretando prejuízos a sua própria pacificação, o que seria evitado caso houvesse uma tentativa de mediação ou conciliação do conflito nas próprias Delegacias do Ceará

Destaque-se, então, que a efetivação do consenso na própria delegacia possibilitaria a busca a composição civil dos danos ou transação penal para um posterior envio ao Juizado Especial Criminal, cumprindo integralmente o disposto na Lei 9.099/95, caso as partes assim o entendessem, sem prejuízo evidentemente de ser reapreciado pelo Poder Judiciário e pelo Órgão do Ministério Público.

Na hipótese de resultado positivo na sessão de mediação ou conciliação realizada, com a celebração de um Termo de Compromisso Consensual, será procedido ao envio deste ao Poder Judiciário, objetivando a homologação, para que assim pudesse gerar efeitos jurídicos e iniciado o seu cumprimento pelas partes acordantes, com economia de tempo e custos para o Estado, já que, com esse desfecho, poderia direcionar seus investimentos e ações para elucidação e processamento de crimes mais graves.

Além disso, evidenciou-se que também não há  que  falar em violação à titularidade da Ação Penal Pública do Ministério Público em caso de expedição dos sobreditos documentos. Primeiro, porque o Órgão do MP analisará os seus aspectos gerais e formais quando do seu encaminhamento ao Poder Judiciário. Segundo, pelo fato de, na sessão consensual a ser realizada na delegacia de Polícia Civil, ficar facultada a presença do advogado em todos os seus atos, a critério das partes interessadas, a fim de conferir uma maior legitimidade aos atos a serem praticados.

Portanto, ao firmar-se como meio fomentador de Resolução de Conflitos, a Delegacia de Polícia Civil além de trazer um importante papel à Sociedade, poderá contribuir também pela redução de demandas no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, que poderá tratar de questões que devem se submeter unicamente à reserva de jurisdição, elevando ainda o grau de satisfação do cidadão, que compareceu à Unidade Policial sob o color de que, no seu pensar, é o local mais próximo a resolver os problemas sociais.

 

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REFERÊNCIAS

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BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2012.

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus Jurídico Elsevier, 2014.

BARONE, Marcelo Luiz. O Delegado como mediador de conflitos. In: BLAZECK, Luiz Maurício Souza; MARZAGÃO JUNIOR, Laerte I. Mediação: medidas alternativas para resolução de conflitos criminais. São Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 179-187.

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